Manaus, 4 de maio de 2024
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Manaus, 4 de maio de 2024

Cenário

‘Partidos se tornaram máquina de arrecadação e estão perdendo a credibilidade’, analisam especialistas

Segundo o TSE, os partidos representam diferentes ideologias e convicções políticas existentes na sociedade, reunindo, como seus filiados, cidadãos adeptos a sua corrente de pensamento.

‘Partidos se tornaram máquina de arrecadação e estão perdendo a credibilidade’, analisam especialistas

Partidos políticos

Manaus (AM) – Com as mudanças promovidas pelas últimas reformas eleitorais, como a ‘cláusula de barreira’ e as chamadas ‘federações’, os partidos políticos têm se readaptado e se organizado para alcançarem maior representatividade no Congresso Nacional, especificamente na Câmara dos Deputados, e, assim, não correrem o risco de perder recursos oriundos do ‘Fundo Partidário’, bem como tempo de propaganda gratuita em rádio e televisão.

O Portal AM1 fez uma análise da importância das siglas partidárias no contexto atual e, para isso, ouviu a opinião de cientistas políticos e sociólogos sobre o assunto.

De acordo com um recente levantamento feito pelo Portal AM1, os três partidos com maiores filiados atualmente no Amazonas são: Podemos, PT e Republicanos, que juntos somam 74.062 mil filiados.

Os números mostram uma mudança no cenário de filiações, em seis meses, já que até o primeiro semestre do ano passado, o Partido dos Trabalhadores era o primeiro da lista, seguido do Republicanos e em seguida do PCdoB.

As legendas partidárias são essenciais para o processo democrático, uma vez que não há como concorrer eleições sem estar vinculado a uma delas.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os partidos representam diferentes ideologias e convicções políticas existentes na sociedade, reunindo, como seus filiados, cidadãos adeptos a sua corrente de pensamento e atuam em nível nacional, estadual e municipal.

A Cláusula de barreira, por sua vez, é fruto de uma emenda constitucional que definiu que somente pode ter acesso aos recursos do Fundo Partidário a sigla que eleger pelo menos 11 deputados federais, distribuídos em nove estados ou aquele que obter no mínimo 2% dos votos válidos nas eleições para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos nove unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas.

Já a federação partidária é a união de partidos em federações, que foi instituída pelo Congresso Nacional, em 2021, e tem um caráter permanente, devendo, se manter unidas durante todo o mandato conquistado.

Processo de arrecadação mercantil

Na visão do cientista político, antropólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ademir Ramos, os partidos estão perdendo cada vez mais a credibilidade na sociedade, o que ele considera grave, devido o processo democrático, uma vez que os partidos são a plataforma da democracia.

Para o especialista, a cláusula de barreira e as federações irão implicar no número de partidos até junho deste ano.

“Até o mês de junho nós teremos uma nova configuração dos partidos políticos no Brasil. Essa configuração é feita por um jogo eleitoreiro, não é feita por uma questão programática e ideológica. Os partidos, na verdade, se tornaram curral e o número de filiados não significa que aquele partido tenha uma representação maior. Porque na verdade, os partidos políticos se tornaram mais uma agência burocrática, devido ao processo eleitoral, estão atrelados fortemente a um processo de arrecadação mercantil. Existem dois fundos que eles têm acesso, um fundo partidário e um fundo eleitoral, e hoje, os caciques dos partidos estão muito mais interessados em fazer deputado federal do que, por exemplo, investir numa representação municipal”, destacou Ademir.

O cientista político afirma que as direções das legendas estão mais preocupadas em fazer um maior número de deputados federais do que ter filiados e estruturar os diretórios municipais, por exemplo, que para ele são sempre ‘diretórios temporários’. Dessa forma, segundo Ramos, fica explícito o objetivo maior que a arrecadação de recursos.

“As reformas (eleitorais) devem diminuir cada vez mais o número de partidos e isso deve até fortalecer e melhorar o nível de participação da democracia, mas o número de filiados não é tão significante porque nem todas essas pessoas têm uma identidade ideológica com o partido. Na verdade, as siglas estão cada vez mais investindo no processo eleitoral, transformando o partido numa máquina de fazer dinheiro. Os partidos se tornaram apenas uma mediação, um ardil para mover a economia eleitoral e ao mesmo tempo sustentar os caciques políticos que assaltaram essas legendas, e nesse sentido, eles [partidos] se tornaram oligarquias familiares”, disse Ramos.

Estruturas frágeis e inoperantes

O cientista político e professor do Departamento de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais da Ufam, Raimundo Nonato Silva, disse ao AM1 que os interesses corporativos privados desvirtuam com práticas e atitudes nefastas à democracia e os objetivos do Estado de Direito.

Na opinião do cientista político não há interesse em investimentos para que as bases dos partidos nos estados e municípios sejam estruturadas.

“Sou categórico em afirmar que há mais interesse em se criar estruturas estatais frágeis e inoperantes, como diria certo compositor: pois, assim, se ganha mais dinheiro”, pontuou.

O professor reconhece a importância dos partidos, porque para ele as legendas servem de alicerce para os mais diversos campos ideológicos e não ideológicos, mas lembra que são poucos os partidos que dão a devida importância ao princípio da fidelidade partidária, que são àqueles em que seus membros não seguem os programas do partido e, assim, é criada uma acefalia política gerando desconfiança e descrédito.

“No mercado político a maioria dos partidos são idênticos a um código de barra. Seus deputados, senadores, vereadores, presidentes, dentre outros, passam a ter valor de mercado em acordo com a defesa dos interesses de corporações e contra os interesses da república, da coisa pública. A prova disso é o fundo partidário para as eleições deste ano e os recursos destinados para as emendas parlamentares, assim temos uma ideia desse mercado de bens político partidário em processo”, enfatizou Raimundo.

Para o especialista não há uma perda de identidade dos partidos, mas há uma identidade personalista que se instala e se reproduz dentro de muitas legendas fazendo com que elas, aos poucos, modifiquem suas linhas ideológicas e, por isso, a opinião pública passa a avaliar os partidos de forma negativa.

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