Manaus, 17 de maio de 2024
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Manaus, 17 de maio de 2024

Cidades

Prefeitos do interior ignoram alertas do TCE e têm licitações suspensas no Amazonas

Falta de documentos e transparência no setor público

Prefeitos do interior ignoram alertas do TCE e têm licitações suspensas no Amazonas

O Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) alertou, no último dia 30 de junho, gestores  do estado, sobre a prática frequente no descumprimento de regras para a realização de procedimentos licitatórios. O problema, no entanto, se arrasta há anos, principalmente no interior, fazendo com que, na maioria dos casos, os certames sejam suspensos ou até anulados pelo Tribunal.

De acordo com o alerta (veja no final da matéria), os órgãos públicos, em geral, não disponibilizam todos os editais de licitações na internet, por meio de sítios eletrônicos, como em portais da transparência dos municípios, deixando toda a documentação disponível apenas em suas sedes administrativas. Para o órgão de contas, a prática prejudica a competitividade por não atingir um amplo conhecimento sobre a abertura das concorrências.

O processo de licitação é a forma pela qual os órgãos públicos adquirem bens e serviços, que em tese, serão utilizados em benefício da população. Essa concorrência se inicia com o ‘Aviso de Licitação’ até a conclusão por meio da publicação do resultado do certame, quando é divulgada a empresa ou empresas vencedoras.

Prática recorrente

O Portal AM1 tem mostrado, de forma regular, essa e outras irregularidades, sobretudo a falta de transparência, por meio de reportagens fundamentadas em documentos oficiais e decisões de órgãos de controle, que atestam a violação da Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527/2011).

Foto: divulgação

Um dos mais recentes casos veiculados pela reportagem, envolvendo a falta de transparência em licitações, aconteceu com a Prefeitura de Manicoré, em maio deste ano.

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Na ocasião, o Ministério Público do Amazonas (MP-AM) recomendou a suspensão de uma licitação de R$ 2,1 milhões por suspeitas de irregularidades.

O órgão afirmou que a gestão do município feriu o ”princípio da publicidade”, o que gerou a falta de competitividade. A recomendação elencou diversas medidas a serem adotadas em futuros processos de licitação, frisando a importância de garantir a transparência e competitividade, solicitando que o edital e todos os documentos fossem publicados no Portal da Transparência e site da prefeitura.

A mesma administração foi condenada pelo Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM), em março, pela falta de informações da gestão no Portal da Transparência, ou seja, pelo descumprimento da Lei de Acesso à Informação. Na época, a prefeitura afirmou que a ausência das informações se dava devido à precariedade da internet no interior do estado.

Sede do Ministério Público Federal (Foto:Divulgação)

Caso semelhante aconteceu, no início do mês de junho, na Prefeitura de Pauini. O presidente do TCE, Érico Desterro, suspendeu um Pregão Presencial da cidade pela ausência do documento em sítios eletrônicos.

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Segundo o conselheiro, a suspensão se deu em nome da garantia do interesse público, uma vez que a participação estava condicionada à retirada de uma cópia apenas na sede da Comissão de Licitação de Pauini, ferindo assim, os princípios constitucionais.

Em Barcelos, foi detectado o mesmo problema pelo Tribunal, que suspendeu no dia 12 do mês passado, um Pregão Presencial na cidade. A suspensão se deu após uma denúncia.

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Para participar do processo licitatório, as empresas candidatas tinham que ir até a sede da Comissão de Licitação de Barcelos para adquirir cópia do edital, ferindo o princípio da publicidade, condicionando ainda, ao interessado custos com a locomoção até o município.

No final do ano passado, o prefeito de Manaquiri e atual presidente da Associação Amazonense dos Municípios (AAM), Jair Souto (MDB), se tornou alvo do MP por supostas irregularidades em licitações. O órgão instaurou o Inquérito Civil nº 2021/0000092659 para investigar as ilegalidades.

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Os Pregões Presenciais eram os de 032/21 e 045/21. O processo do órgão apontou que existiu ‘violação à competitividade e à moralidade administrativa’ na  contratação da empresa ‘Frank da Costa Nogueira ME’.

Além das prefeituras citadas na reportagem, as atuais gestões das prefeituras de Tefé; Canutama; Careiro da Várzea; Anamã; Nhamundá; Envira; Beruri; São Gabriel da Cachoeira; Anori; Coari; Rio Preto da Eva; Presidente Figueiredo; São Paulo de Olivença, entre outras, também já foram alvo de recomendações, investigações e até suspensões de processos licitatórios por não cumprir as regras previstas em leis.

Maior fiscalização

A reportagem do AM1 ouviu o promotor de Justiça e membro do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção, Weslei Machado, sobre o alerta do TCE e a prática recorrente nas prefeituras do interior.

Weslei explicou que um dos princípios que pauta a realização de licitações é o princípio da publicidade – que garante a transparência e a competitividade.

“Quanto maior o número de licitantes, melhor será a proposta que poderá ser oferecida para a administração pública e, consequentemente, os serviços para o povo. Por isso, se vê o tamanho da importância que a Constituição e a legislação dão à publicidade dos atos e, aliás, a publicidade é tão importante que faz com que qualquer espécie de contrato administrativo só possa produzir os seus efeitos após a publicação do termo de contrato”, destacou.

O promotor enfatizou, ainda, que a Lei de Acesso à Informação garante e determina que se dê a divulgação de todas as informações para que a população tenha acesso, sobretudo por meio da internet.

“Infelizmente há uma prática ilícita recorrente no âmbito das administrações públicas do interior do estado do Amazonas, que é a restrição de acessos a editais de licitações, uma vez que condiciona-se essa entrega ao comparecimento à prefeitura, além de em alguns casos, o pagamento de uma determinada taxa. Isso constitui uma flagrante ilegalidade. É preciso disponibilizar o edital na internet, não é errada a disponibilização nas sedes, mas não pode ser a única forma de obtê-lo”, disse.

Machado frisou que o alerta do TCE é importante, mas que é necessária uma maior intervenção e fiscalização por parte da própria população, bem como do Ministério Público para que a prática de limitação do acesso a editais de certames acabe. O promotor também falou da importância dos gestores iniciarem a adequação à nova lei das licitações, a 14.133/2021.

Dificuldades

O Portal AM1 também enviou uma solicitação para a assessoria de comunicação da AAM, a fim de saber o posicionamento da entidade sobre a recomendação do Tribunal de Contas, especificamente em relação às diversas ilegalidades detectadas de forma recorrente nas gestões das prefeituras no interior.

De acordo com informações no site da Associação, ela tem a ‘missão de promover a articulação e mobilização em defesa dos interesses dos municípios amazonenses, assim como fortalecer o movimento municipalista. Neste contexto, tem como principal diretriz a adoção de ações capazes de dotar os municípios de recursos financeiros, técnicos e administrativos, que promovam o seu desenvolvimento’.

Segundo nota da AAM, mesmo havendo um prazo para a efetiva implantação da nova lei de licitações, ‘muitos percalços têm sido enfrentados pelos municípios do Brasil, incluindo-se alguns localizados em território amazonense’.

A Associação afirmou também que no dia 29 de junho, a instituição realizou, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AM), o 1° Encontro de Direito Administrativo e Gestão Pública dos Municípios do Amazonas, que contou com diversas palestras acerca de temas inerentes às boas práticas em gestão pública e que continuarão a incentivar esses boas práticas.

Ao final da nota, a entidade disse, ainda, ‘reafirmar seu compromisso com a autonomia de cada município, com as boas práticas em gestão pública, bem como com a democracia brasileira’.