Manaus, 7 de maio de 2024
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Manaus, 7 de maio de 2024

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Rejeitando licitações e ignorando transparência, Prefeitura de Manaus escapa aos olhos dos órgãos de controle

A população cobra um posicionamento dos órgãos de controle do Amazonas e melhorias de serviços prestados à sociedade, mas, até o momento, a fiscalização tem deixado a desejar

Rejeitando licitações e ignorando transparência, Prefeitura de Manaus escapa aos olhos dos órgãos de controle

Foto: Reprodução

A gestão do prefeito David Almeida (Avante) completou apenas 1 ano e três meses, mas já é marcada por inúmeras dispensas de licitações, falta de transparência, licitações com suspeitas de irregularidades, além de secretários com autonomia para gastar valores exorbitantes. Diante disso, a população cobra um posicionamento dos órgãos de controle do Amazonas e melhorias de serviços prestados à sociedade, mas, até o momento, a fiscalização tem deixado a desejar.

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Com o parecer de autoridade e especialistas no assunto, questionou o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) e o Ministério Público do Amazonas (MP-AM), sobre quais medidas têm sido adotadas para evitar irregularidades e o descaso com o dinheiro público.

A maior finalidade do Tribunal de Contas, de acordo com informações contidas no site do órgão, é “exercer o controle da gestão dos recursos públicos orientando e fiscalizando sua correta e efetiva aplicação em benefício da sociedade amazonense” e com isso ser uma “instituição de excelência no controle e no aprimoramento da gestão pública, garantindo a devida visibilidade e credibilidade de suas ações à sociedade amazonense”.

O TJAM, por sua vez, segundo informações contidas do site do órgão, tem a missão de “realizar justiça com acesso justo e de forma igualitária à sociedade”. Além disso, tem a visão de “ser reconhecido pela sociedade como uma instituição que promove a justiça com imparcialidade, de forma célere e com equidade”.

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Já o Ministério Público, é uma instituição permanente que possui autonomia e independência funcional. Em texto publicado no site, é destacada a informação de que umas das suas características é a independência e que ela é “importante para que ele exerça a função fiscalizadora do poder”. Fala ainda que “caso o MP fosse subordinado a qualquer um dos Poderes, sua atuação seria questionável e parcial” e em outro trecho afirma que os procuradores e promotores são livres “para seguir suas convicções dentro da lei”.

Fatos

Em relação a contratos firmados por meio de dispensa de licitação, dados de publicações do Diário Oficial e dados do Portal da Transparência mostram que essa é uma prática recorrente na Prefeitura de Manaus.

Relembre

Entre os casos está a renovação do contrato da Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp), comandada pelo ex-secretário Sabá Reis, com a empresa ‘Mamute’, que, sem licitação, vem “ganhando” para prestar serviços de “conservação e limpeza de logradouros públicos na cidade Manaus”. A prefeitura já liberou para a empresa um total de R$ 81,6 milhões por um serviço que deveria ser contratado apenas em situações de emergência.

Outro caso é da Secretaria Municipal de Assistência Social, da Mulher e Cidadania (Semasc), comandada por Jane Mara Silva de Moraes, que foi denunciada por adquirir cestas básicas com itens com valores exorbitantes e distribuir alimentos vencidos à população. A titular também foi denunciada por empregar familiares na pasta.

Em julho de 2021, a mesma Secretaria comprou, sem licitação, mais de R$ 4 milhões em colchões.

Ainda sobre a modalidade ‘dispensa de licitação’, chama atenção contratos com três empresas por R$ 34,7 milhões, realizados pela Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf), comandada agora por Renato Júnior.

Um desses contratos não possui nenhuma informação no Portal da Transparência, mesmo após mais de três meses da data de celebração entre a pasta e as empresas ‘A ORV Engenharia Ltda e a Agência E – Gerenciamento e Projetos Eireli’. O contrato é o 026/2022.

Campeã

A Seminf, somente de março até o dia 26 de abril, tem um total de R$ 138,2 milhões para investir na infraestrutura da cidade. No último dia 20 deste mês, o Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb) cedeu o montante de R$ 100 milhões para a Seminf aplicar na infraestrutura, mas enquanto isso, a população reclama de buracos, falta de recapeamento e descaso com o cidadão.

Os casos de ausência de dados no Portal se estendem a outras pastas como a Secretaria Municipal de Comunicação (Semcom), Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), Secretaria Municipal de Educação (Semed), entre outras.

Mordaça

David tem em sua gestão outra polêmica em relação à falta de transparência dos atos, como o chamado ‘Decreto da Mordaça’, norma que limita as fiscalizações dos vereadores contra a Prefeitura de Manaus.

O decreto é o de nº 5.254, de 03 de fevereiro de 2022, que proíbe integrantes do Poder Legislativo de solicitar informações feitas de forma individual ao Executivo Municipal.

A reportagem saiu às ruas da capital para ouvir o que a população tem a falar sobre a administração de Almeida. Alguns pontos mais citados pelos cidadãos são a falta de infraestrutura, como ruas esburacadas, além da falta de saneamento básico e problemas com transporte público.

Para o autônomo Ribamar Cruz, 49, morador do bairro Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Cidade Nova, zona Norte, as ruas do bairro são como a lua.

“A gente pensa que está na lua. A cada rua que a gente passa é possível contar enormes buracos, você entra na principal aqui do bairro e encontra uma cratera de mais ou menos oito metros, não tem mais como os veículos passarem lá e as outras ruas estão ficando iguais, todas terríveis”, desabafou.

Greice Santos, pensionista, que mora no bairro Vila da Prata, zona Oeste, reclama do transporte público. “A gente fica muito tempo esperando um ônibus, parece que reduzem a quantidade, só pode”, declarou Greice.

Na opinião do vendedor de bombons Antônio Alves, 60, morador do bairro da Paz, zona Centro-Oeste da capital, o igarapé que passa perto da sua residência precisa de uma drenagem urgente. “Quando chove aqui alaga tudo, as ruas ficam horríveis, precisamos que tenha uma limpeza porque a gente sofre com isso. E porque eles não fazem esse trabalho no verão? Vir só no inverno não adianta muita coisa, tinha que ter um planejamento”, disse Antônio.

Transparência é dever e não favor

A reportagem conversou com o advogado e membro do Comitê de Combate à Corrupção no Amazonas, Inácio Guedes, que pontuou que a prática de dispensa de licitação, apesar de legal, tem se sobressaído em muitas gestões.

“A dispensa de licitação deve seguir alguns requisitos do artigo 24 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), porém ficamos um pouco assustados com o volume e o valor dessas dispensas. Creio que os órgãos de controle, como o TCE, assim como o MPC (Ministério Público de Contas), poderiam fazer um monitoramento, uma averiguação do devido processo legal, do cabimento. Eu confio nas instituições, o Comitê acredita que o gestor público eleito tem o princípio da boa fé, porém, cabe também aos órgãos de controle fazer esse monitoramento, porque a sociedade, às vezes, se ressente de não estar contemplada nessas dispensas e de principalmente não ver bons resultados que cheguem até à sua realidade”, destacou o advogado.

Inácio Guedes

Inácio frisou, ainda, que a atuação do chefe do Executivo deve ser pautada no princípio da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, o que infelizmente, muitas vezes não é obedecido e lembrou que a Câmara Municipal de Manaus (CMM) também tem o dever e foi criada para fiscalizar a prefeitura.

“Um dos órgãos que poderia também fiscalizar e foi criado para isso é a Câmara Municipal de Manaus, mas muitas vezes não vemos essa fiscalização. É preciso falar também que o Portal da Transparência não é um favor das repartições públicas, colocar as informações para a sociedade, é lei, é uma obrigatoriedade ter um Portal da Transparência, alimentado e atualizado para informar a sociedade do que está sendo feito com o recurso público. Nós devemos, como sociedade organizada, lembrar e cobrar os órgãos de controle essas atribuições, porque é direito da sociedade saber o que está acontecendo, assim  como é dever da sociedade contribuir com seus impostos”, defendeu o membro do Comitê.

Governança Pública

De acordo com os conceitos da Governança Pública, definida pelo Decreto 9.203/2017, o gestor precisa planejar, executar, controlar e agir para que se tenha uma administração que ponha em prática as políticas públicas e a prestação de serviços que são de interesse da sociedade. Sendo assim, segundo o Decreto, os princípios da Governança Pública são: capacidade de resposta, integridade, confiabilidade, melhoria regulatória, prestação de contas e responsabilidade e transparência.

Resposta TCE

Enviamos ao TCE uma lista com cinco questionamentos.

O órgão afirmou que inspeciona as contas anuais de gestores e que realiza inspeção de forma extraordinária somente “quando provocado pela sociedade após análise da relevância, materialidade e risco da demanda”.

Sobre o posicionamento em relação ao número elevado de dispensas de licitações e ausência de dados, o Tribunal justificou que não pode emitir juízo de valor quanto aos atos da Administração Pública, uma vez que todos eles serão “fruto de análise do mérito durante o julgamento das contas públicas no momento processual oportuno”.

Além disso, respondeu que o cidadão pode fazer denúncias de possíveis irregularidades por meio da Ouvidoria ([email protected]/ https://ouvidoria.tce.am.gov.br/(92)98815-1000 /(92) 3301-810/3301-8222), além do peticionamento via protocolo ([email protected] ou presencialmente).

Confira as perguntas feitas ao TCE:

1 – Existe alguma previsão para que esses casos específicos de dispensa de licitação, falta de transparência, licitação direcionada ou irregular, sejam analisados por esta Corte?

2 – Já tramita neste Tribunal algum processo concreto que analisa essas denúncias?

3 – Quando e em quais casos específicos o órgão poderia determinar uma auditoria extraordinária nas contas da Prefeitura?

4 – O cidadão pode apresentar denúncia em relação a obras, gastos e licitações ou falta delas, como forma de colaborar com o TCE? Se sim, quais os meios, existe um canal para denúncias?

5 – Qual o posicionamento do TCE em relação a tantos contratos com dispensa de licitação, falta de transparência e licitação irregular?

MP-AM e TJAM

A reportagem enviou também questionamentos, no dia 18 de abril,  para a assessoria de comunicação do Ministério Público do Amazonas (MP-AM) e para a do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM). No dia 25, após uma semana do envio dos e-mails, a reportagem entrou em contato com as respectivas assessorias por meio de aplicativo de mensagem, e foi informada que as solicitações seriam respondidas, o que não aconteceu até o fechamento da matéria (dia 28 de abril).

O MP-AM chegou a respondeu o e-mail, no dia 18, afirmando apenas que tinha recebido a demanda e que ela teria sido “inserida no fluxo de trabalho”, mas que havia chegado “após o término do expediente e que seria encaminhada para a coordenação responsável no próximo dia útil”. Já no contato posterior, via WhatsApp, a assessoria informou que a semana havia sido curta e que os promotores estavam integralmente em audiências.

No contato via aplicativo de mensagem, a assessoria do Tribunal de Justiça afirmou que o “Judiciário” tem uma atribuição diferente dos órgãos de controle”, que aguardava uma orientação e assim que tivesse enviaria as respostas da solicitação.

No e-mail, questionamos se, devido à tanta falta de transparência, não teria como os órgãos de controle realizarem um levantamento dos gastos/contas da prefeitura. Perguntamos se tramita algum processo que investigava denúncias das quais a atual gestão foi alvo, além disso, perguntamos qual o posicionamento do MP e TJAM em relação a tantos contratos com dispensa de licitação, falta de transparência, licitação irregular, além de secretários e ex-secretários municipais denunciados por furar fila no caso da imunização contra a covid-19.