Manaus, 10 de maio de 2024
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Manaus, 10 de maio de 2024

Economia

Zona Franca de Manaus completa 55 anos em dúvida sobre seu futuro

Em meio à preocupação por conta da redução de 25% do IPI, o modelo econômico da ZFM completa mais um ano de criação, com quebra de recordes no faturamento

Zona Franca de Manaus completa 55 anos em dúvida sobre seu futuro

Manaus, AM – Em meio ao risco de distanciar empresas por conta da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Zona Franca de Manaus completa 55 anos de criação, sendo o principal modelo de desenvolvimento econômico do Amazonas, com resultados positivos para o Estado e o Brasil. Porém, isso tudo pode estar prestes a mudar devido ao decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem causado receio às empresas, aos industriários e aos amazonenses.

Na última sexta-feira (25), os amazonenses foram pegos de surpresa com a redução de 25% do IPI para a maioria dos produtos. A proposta do ministro Paulo Guedes e do presidente Bolsonaro é estimular a economia, todavia, políticos e economistas do Amazonas apontam que esse método não funciona no modelo da Zona Franca de Manaus.

Ao Portal Amazonas 1, o economista Origenes Martins afirmou que a medida pode prejudicar a Zona Franca de Manaus, mas espera que o Ministério da Economia encontre maneiras de compensar as empresas do polo industrial.

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Até o momento, o Ministério da Economia não se pronunciou sobre o assunto e nem sobre os impactos que o novo decreto pode trazer para o Amazonas. Sendo aliado do governo federal, o governador do Estado, Wilson Lima (PSC), busca estratégias para tentar reverter o cenário desfavorável para a ZFM.

Pela Lei nº 288, estabelecida em 28 de fevereiro de 1967, a Zona Franca de Manaus foi definida como uma área de livre comércio, ou seja, um local de atração de indústrias que operam com incentivos fiscais, como a redução ou a isenção de impostos, além de facilitações burocráticas. Quando foi criada, os incentivos tinham uma validade até o ano de 1997, a qual foi prorrogada para 2013, passando para 2023. O governo federal, no entanto, aprovou um projeto, com o término dos incentivos somente em 2073.

Foto: Divulgação

Com 55 anos da Zona Franca de Manaus, ao decorrer dos anos, o modelo econômico apresentou resultados importantes para o Amazonas, além de alavancar a economia brasileira. No segundo ano da pandemia da Covid-19, por exemplo, o Polo Industrial de Manaus teve o faturamento recorde de R$ 158,62 bilhões – o que representa aumento de 31,9% comparado com os valores de 2020. Calculado em dólar, o modelo da Amazônia conseguiu US$ 29.40 bilhões, sendo um crescimento de 28,21%, segundo dados do governo federal.

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Com relação à empregabilidade, a ZFM também se destacou. Mesmo com os impactos causados pela pandemia do novo coronavírus, o modelo mostrou crescimento no ano de 2021 e empregou quase 200 mil trabalhadores, entre efetivos, temporários e terceirizados, sendo um aumento de 9,34% comparado ao ano de 2020.

ZFM além dos números

Para o deputado federal Marcelo Ramos (PSD), uma mudança na Zona Franca de Manaus afetaria não só as indústrias instaladas na cidade, mas também os mais de 100 mil industriários, além dos 400 mil servidores terceirizados. Com prejuízo na mão de obra, os produtos do PIM ainda perderiam vantagem competitiva com outros produzidos fora do país.

Segundo o vice-presidente da Câmara dos Deputados, a redução em 25% do IPI também pode gerar uma desigualdade nos produtos nacionais. “Para indústria incentivada, como por exemplo a indústria de informática, semicondutores, e displays, na Zona Franca de Manaus e fora dela, ao reduzir o IPI, você diminui a diferença de competitividade e, logicamente, tende a ter uma invasão de importados no Brasil, tendo como consequência a transferência de empregos de brasileiros”, afirmou.

Foto: Divulgação

Para Ramos, a melhor alternativa para reverter esse cenário seria a publicação de um novo decreto do governo federal, estabelecendo que todas as indústrias submetidas ao Processo Produtivo Básico (PPB) recebam um incentivo fiscal. “As empresas ganhariam um crédito presumido ao vender. Quem compra ganha um crédito equivalente à vantagem comparativa que ela perdeu por conta da redução do IPI”, explicou. De acordo com ele, esse formato solucionaria o problema da ZFM e permitiria a redução para todo o Brasil.

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Caso o governo federal não estabeleça um novo decreto, Ramos destacou que existem duas saídas para o problema, sendo todas judiciais. “A primeira é uma ação direta de inconstitucionalidade, considerando que o decreto é inconstitucional na medida em que não preserva as vantagens comparativas da Zona Franca de Manaus, uma vez que essas vantagens são constitucionais já reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal”, disse.

“A segunda é ajuizar ao Tribunal Superior Eleitoral uma representação eleitoral, pois conceder benefício em ano eleitoral é crime”, comentou. Vale ressaltar que o presidente Jair Bolsonaro ainda não oficializou a candidatura para tentar a reeleição à presidência.

Missão cumprida

Ao Portal Amazonas 1, o deputado estadual Serafim Corrêa (PSB) disse que a Zona Franca de Manaus cumpriu a missão durante os 55 anos em funcionamento. Além do poder econômico, o polo industrial conseguiu estabelecer um centro comercial no meio da Amazônia e que dá um retorno bilionário para o governo federal.

“Esse modelo é superavitário. Ao invés [sic] de ser renúncia fiscal, ele é uma fonte inesgotável de arrecadação para o governo federal. É só verificar quanto foi a arrecadação federal e quanto o governo mandou para o Amazonas. A diferença é R$ 10 bilhões contra nós, ou seja, mandamos 10 bi todos os anos para o governo federal. Aqui não é um paraíso fiscal, aqui é um paraíso do fisco”, pontuou.

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Foto: Divulgação

Para o deputado, que também é economista, a redução em 25% do IPI deixa claro que o restante do Brasil enxerga o Amazonas como “subordinado” ao país. “ O sudeste nunca perdoou que a Amazônia pudesse ter indústria. Eles querem manter uma submissão voltando a época em que o Brasil era colônia e que existiam dois estados coloniais portugueses”, disparou.

Ainda de acordo com Corrêa, o restante do país ainda enxerga o Amazonas como submisso a eles e, por conta disso, “querem nos tratar como tal”. O deputado ainda destacou que, neste momento, o amazonense precisa mostrar união e tentar reverter o cenário desfavorável.

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“É hora da reação dos amazonenses, daqueles que querem bem a nossa terra. É hora de uma união de esforços, governo do Estado, dos nossos senadores, nossos deputados federais, prefeitura, superintendência, da Assembleia Legislativa do Amazonas e da Câmara Municipal, para que todos juntos possamos reverter esse quadro”, disse.

Quando publicado o novo decreto, Serafim Corrêa apontou o governo federal como “canalha”, levando em consideração que a decisão foi feita em uma sexta-feira de Carnaval, momento em que os brasileiros e os parlamentares se preparavam para o recesso.

Foto: Divulgação

“Eles não param nunca e agem na calada da noite, uma traição de forma desleal como tem sido o governo Bolsonaro”, destacou o deputado Serafim Corrêa ao Portal Amazonas 1.

Redução ‘às vezes’ necessária

Para o economista Origenes Martins, a Zona Franca de Manaus exerce um papel importantíssimo para o processo econômico, social e político da Amazônia.”Em primeiro lugar, tem a questão fundamental que é da nossa integridade, não podemos esquecer que o grande sonho das nações europeias era criar uma zona de proteção internacional onde a Amazônia seria propriedade mundial”, explicou.

Com a criação da ZFM em 1967, o economista afirmou que o modelo mostrou que é possível investir, movimentar a economia e preservar a natureza no modelo implantado em Manaus. “O Polo Industrial de Manaus mostrou que a produção industrial feita de forma correta traz um benefício ao meio ambiente. Afinal, temos 92%, no mínimo, de preservação das nossas florestas naturais, e isso se deve ao modelo da Zona Franca de Manaus”, pontuou.

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Mesmo com os pontos positivos que fazem a ZFM se destacar, o modelo agora sofre com a redução do IPI. Com esse decreto, as empresas podem acabar deixando o polo industrial e indo para outros lugares, por acreditarem na falta de competitividade no mercado. Ao Portal Amazonas 1, o economista explicou que o modelo econômico já sofreu com diversas tentativas de desestabilização, incluindo a flexibilização do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Origenes acredita que, mesmo com a redução do IPI, investidores e empresários da ZFM precisam estar preparados para enfrentar uma economia de mercado. “Nós já criamos um parque industrial onde temos uma integração entre indústrias, e é óbvio que o governo, ao retirar esse subsídio, ele pode oferecer outras vantagens”, disse.

Cosip
Foto: Arquivo/Amazonas1

Ainda de acordo com o economista, uma redução do IPI “às vezes” se torna necessária por uma conjuntura nacional, no entanto, a Zona Franca de Manaus não pode encerrar as atividades por conta de um novo decreto.

“Não podemos esquecer que estamos diante da região mais rica do mundo e do subsolo mais disputado por todos os países do mundo. Portanto, por que parar o projeto de criação do distrito agroindustrial, que se fala há tanto tempo? Temos que ampliar a nossa ZFM, o nosso PIM, e preparar essas matrizes para enfrentar o mercado, independente variações”, destacou.