Manaus, 19 de maio de 2024
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Manaus, 19 de maio de 2024

Opinião

Ruy Marcelo

Gestão preventiva e as nossas urgências de cada dia

A máxima segundo a qual prevenir é melhor que remediar (e mais barato e menos sofrido) nunca foi tão citada, mas, ilogicamente, tão pouco empregada.

Gestão preventiva e as nossas urgências de cada dia

(Foto: Prefeitura de Beruri)

Por Ruy Marcelo*

As notícias se espalham como rastilho de pólvora e dispensam a listagem de tantas tragédias e desastres naturais. São evidências do mundo tornado extremamente cambiante, incerto e inseguro, por efeito, sobretudo, da maneira pela qual nos acostumamos a viver, edificar, produzir e consumir bens e serviços, sem medir as consequências.

Todavia, ao leitor de bem não é inconveniente nem intempestivo o convite ao alerta e à reflexão de que estamos cada vez mais vulneráveis e incapazes de dar resposta à altura às gravíssimas ocorrências emergentes porque temos dificuldade de assimilar a inadiável cultura da prevenção.

A máxima segundo a qual prevenir é melhor que remediar (e mais barato e menos sofrido) nunca foi tão citada, mas, ilogicamente, tão pouco empregada. Incoerência gritante, eis que vivemos na sociedade do risco generalizado, consoante a análise seminal de Ulrick Back (1986), em harmonia com a teoria Gaia, de Lovelock. Vivemos a era do Antropoceno, da humanidade avassaladora que se faz vírus planetário e o maior algoz de si.

Em termos práticos, significa que já não vive perigosamente apenas quem pratica esportes radicais ou está exposto a lugares insalubres. O mundo febril se tornou um grande cerco, um campo minado, instável e cheio de surpresas desagradáveis e nocivas onde menos se espera.
Como os riscos estão por toda a parte e nos mais diferentes quadrantes – desde os eventos extremos da crise climática até a derrocada econômica repentina fruto de inovações disruptivas e contingências da geopolítica –, urgem novas mentalidades gerenciais para levar homens, sociedades e instituições a porto seguro na travessia da grande tempestade da insensatez humana.

Quanto à Administração Pública, já não há eficiência imaginável fora da gestão de riscos, do planejamento adequado para a atuação preventiva e precautória, que se adianta aos eventos lesivos e a mera probabilidade de seu advento com o desenho da necessária aptidão de enfrentamento estratégico para evitar concretamente ou ao menos mitigar os efeitos mais deletérios e prejudiciais à coletividade.

Nessa toada, não apenas os órgãos ambientais precisam ser eficientes e preventivos (para me referir ao que se passa presentemente no Amazonas, com as fumaças, queimadas, desmatamentos, desbarrancamentos e seca severa), mas assim deve ser a cadência de todo e qualquer flanco de governo e de gestão pública, em grande concerto de atuação integrada, multissetorial, interfederativa, transversal, articulada e estruturante das políticas públicas garantidoras dos direitos fundamentais.

Não se tolera é que, por falta de avaliação de riscos e de planejamento, o Poder Público improvise e se limite a enxugar gelo, ineficazmente, por respostas tímidas e de véspera, incapazes de efetivamente proteger e resguardar a população, nem de conduzi-la ao objetivo maior de dignidade existencial pela senda única do desenvolvimento sustentável.

Em linha com a sustentabilidade, o papel do mercado e dos agentes econômicos não é menos relevante e decisivo. Além da avaliação de riscos e políticas ESG (sem fraudes e propagandas enganosas, conhecidas como greenwashing e climatewashing), o que se demanda com urgência é o desprendimento do lucro imediato e da visão de negócios egoísta e mesquinha, para o sacrifício das práticas e operações inconciliáveis com a sadia qualidade de vida (nesta quadra histórica, a indústria precisa encontrar e financiar alternativas e renunciar às emissões dos gases de efeito estufa e a toda forma de poluição que afeta o clima e tem determinado a sexta grande extinção de espécies).

No âmbito privado, nosso modelo de figura sensata é a do homem precavido e prudente, capaz de medir as consequências diretas e indiretas, atuais e futuras, de seus atos, forte para conter seus ímpetos a bem do interesse coletivo, atento à bússola do conhecimento científico e da ética, para repensar suas escolhas, principalmente no consumismo, para literalmente não morrer pela boca ou pela ambição insaciáveis. É também do cidadão que participa intensamente dos desígnios do Estado e monitora constantemente seus representantes.

É necessária, enfim, a intensa luta interna e no meio para não sucumbirmos como espécie e civilização, percebendo tarde demais que deixamos de evitar o pior, por tanto tempo, por padecermos de mazelas cognitivas e morais suicidas. Nesse sentido, remeto o leitor à recordação do paradoxo de Giddens (sobre a acomodação passiva com resistência psicológica de encarar os fatos, atribuindo “desconto ao futuro”, em meio ao colapso iminente).

Que a Inteligência Suprema nos ajude a melhorar e a obter resultados.

(*) Mestre em Direito Ambiental, professor de Direito e procurador de contas

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