MANAUS, AM – Em meio às comemorações do aniversário de Manaus, alguns bairros da capital enfrentam situações que já viraram rotina. Falta de infraestrutura, segurança e limpeza estão entre os três principais desafios da cidade, especialmente para moradores de bairros afastados dos holofotes das áreas queridinhas pelo prefeito David Almeida.
Para comemorar os 352 anos de Manaus, a prefeitura resolveu fazer uma grande festa. Foram nove dias de festejos, que iniciaram na sexta-feira (15) e terminam neste domingo (24), data do aniversário da capital amazonense. Entretanto, a realidade enfrentada por moradores está longe de ser comemorada.
Mas, não são somente os bairros sem atenção da Prefeitura de Manaus que não têm motivo para comemorar. Nesta semana, os vereadores aprovaram a mudança na forma de cobrança da taxa de iluminação pública, afetando assim o valor final da conta de energia elétrica do contribuinte.
Leia mais: David oferece banquete aos vereadores que aprovaram taxa da Cosip: ‘harmonia’
Em dez meses de gestão, o prefeito David Almeida contemplou parentes, amigos e funcionários municipais com cargos públicos e apartamentos. Além disso, o prefeito tem dado prioridade no orçamento para as áreas nobres da cidade e “maquiado” locais que precisam da atenção da Prefeitura de Manaus.
A orla da Praia da Ponta Negra, o Mercado Adolpho Lisboa, o Museu da Cidade de Manaus e outros pontos turísticos da cidade serão abraçados durante a comemoração do aniversário da capital. No entanto, Manaus não é feita somente de luzes brilhantes, tinta fresca e avenidas principais, a cidade eleita pela “The FIFA Weekly” como rica culturalmente e mais acolhedora da Copa do Mundo de 2014, ficou esquecida pela nova gestão que, apesar de colorir as ruas da capital, ainda deixa a desejar em ações para a população.
Problemas recorrentes
A falta de infraestrutura em Manaus não é um problema que surgiu na administração de David Almeida. Porém, são situações que poderiam ser de fácil controle da Prefeitura de Manaus com vereadores e agentes nas ruas para identificar os problemas da cidade.
Mas, na prática, essa solução não acontece e vai sendo adiada pelos órgãos competentes. Em setembro, por exemplo, um grupo de ativista cobrou David Almeida pela falta de saneamento básico em Manaus. Em vários pontos da cidade, foi instalado um cadáver em um vaso sanitário em tom de ironia pela espera das ações da prefeitura.
Leia mais: Em 2021, prefeituras do AM já receberam R$ 2,1 bilhões em repasse do Fundeb
Segundo o Relatório Trata Brasil, Manaus é a sexta colocada entre as dez piores cidades em coleta de esgoto, com apenas 12,43% da população sendo beneficiada. Ao todo, 22% dos manauaras possuem cobertura de esgoto, enquanto 78% da população convive com águas poluídas e sem tratamento básico.
Outro fator que David Almeida ignora na cidade de Manaus é a infraestrutura da periferia. O Portal Amazonas1 esteve nas ruas do bairro São Jorge, na zona Oeste da cidade, e os moradores denunciaram o descaso da prefeitura com as calçadas e as vias do bairro.
No bairro, existem calçadas quebradas, estreitas, com entulho, lixo e mato alto, e obrigam o morador a disputar espaço na rua com os veículos que transitam pelo local. A moradora Norma Borges, 63, revelou que o pai faleceu por complicações de saúde após cair na rua com as calçadas irregulares e sem assistência da prefeitura.
Leia mais: Esquecidos no concurso da Semed cobram David Almeida por nomeação
“Desde a vez que ele caiu, ele ficou doente. Bateu o braço e não ficou mais bom. Caiu em uma calçada, ele rebolou, caiu feio. Ele tinha 90 anos na época, meu pai já faleceu. Foi um problema que arrastou outro problema”, afirmou.
Sendo lembrado como um balneário da Manaus de antigamente, o igarapé do Tarumã reúne lixo, dejetos e água poluída no local. Esse é mais um dos igarapés de Manaus que acumulam lixo e, apesar das ações de limpeza, continuam sendo um retrato frequente dos manauaras.
Em agosto, o Portal Amazonas1 procurou a Prefeitura de Manaus sobre as ações de limpeza voltadas para o igarapé, mas não houve resposta, enquanto a gestão do prefeito David Almeida paga R$ 61 milhões dos cofres públicos para a limpeza dos igarapés.
Leia mais: Em menos de 30 dias, David Almeida abre créditos adicionais de R$ 333 milhões
Os buracos são uma realidade antiga para diversos moradores dos bairros afastados das principais avenidas de Manaus. Alguns problemas de infraestrutura existem desde a gestão do ex-prefeito Arthur Neto, e ainda não foram solucionados por David Almeida.
Com um novo prefeito e uma remessa de novos vereadores, os moradores pensaram que o problema seria solucionado, porém, em sete meses de gestão do atual prefeito David Almeida, o transtorno continua. Para o prefeito, a administração é marcada pela palavra “trabalho”, todavia, tal termo só é usado quando se trata de colorir a cidade.
Em alguns casos, o Portal Amazonas1 recebeu denúncia sobre ruas esburacadas há meses e que ainda não haviam entrado no plano de ação da Prefeitura. Após feita a denúncia, a secretaria responsável atendeu a população, mas, mesmo assim, também existem comunidades que essa ajuda ainda não chegou.
Cidade de duas faces
Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas, Luiz Antônio Nascimento, existem duas Manaus: a dos ricos e a dos pobres. Segundo ele, o problema enfrentado pela população é decorrente de gestões anteriores, mas, na administração de David Almeida ficou claro o descaso em que o prefeito tem para solucionar as solicitações dos bairros.
“Temos duas cidades de Manaus, a cidade dos ricos e essa cidade é pujante, é bonita, tem um asfalto de boa qualidade, tem segurança pública, tem proteção da sociedade, tem conforto, iluminação e coleta de lixo. E tem a cidade da exclusão, cidade da violência, da miséria, do abuso sexual de crianças e adolescentes, cidade da violência contra a mulher, cidade que mais mata LGBTQIA+ no país, uma cidade baixa de coleta de lixo, de saneamento básico”, afirmou.
Leia mais: Dez meses após furar fila da vacina, Shádia determina vacinação obrigatória na Semsa
Ainda para o sociólogo, os parlamentares deveriam sentir a dor do outro e lutar pelos direitos dos cidadãos. “Deveríamos esperar que o prefeito tivesse uma preocupação em acolher e responder as demandas das pessoas mais vulneráveis. Claro que ele deve e precisa continuar dando atenção para setores com menor demanda, mas enquanto você tem bairros centrais que as demandas são o corte de uma grama, é asfaltamento de uma rua esburacada, na periferia as demandas são mercuriais, onde vão de posto de saúde a iluminação pública, coleta de lixo”, comentou.
Ele ainda afirmou que o eleitorado amazonense está acostumado a eleger bancadas “miseráveis” e os parlamentares eleitos pelo voto popular não representam os interesses da população. “Na Câmara Municipal de Manaus e a Assembleia Legislativa do Amazonas dá para tirar no dedo de uma das mãos quantos são os parlamentares que são dignos de nota. Eles são miseráveis no ponto de visto dos compromissos mínimos que esses parlamentares deveriam ter com a sociedade”, disse.
“Estamos no meio de uma pandemia, as pessoas estão famélicas, as pessoas estão desempregadas e com enorme dificuldade de acessar serviços básicos e os parlamentares estão fazendo festinha, estão querendo alugar picapes, estão querendo homenagear amigos e amigas do rei. Isso é vergonhoso!”, continuou.
Leia mais: Adail Filho desafia Ronaldo Tiradentes nas eleições de Coari: ‘aposto no Keitton’
De acordo com o sociólogo, no aniversário de Manaus devem ser comemorados a democracia e a vontade que as lideranças ainda têm para lutar por causas sociais, com a expectativa de melhorar a vida dos manauaras e a cidade.
“Temos que festejar a relutância das lideranças sociais e populares, que mesmo enganadas a cada ano eleitoral continuam ali defendendo os interesses da população local. Temos que festejar a democracia, que ainda nos permite criticar os prefeitos e vereadores, mesmo que muitos deles não gostem. Fora isso, temos muito pouco para comemorar”, destacou.
Reflexão para os 352 anos
“Nesses 352 anos, estamos vivendo uma situação histórica calamitosa, Manaus atravessou neste ano uma das maiores dificuldades históricas”, afirmou a Profa. Dra. Carolina Cassia Batista Santos, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas.
Para ela, a data do aniversário de Manaus deve ser voltada para a reflexão, uma vez que a cidade enfrentou em 2021 a segunda onda da covid-19, com os pacientes sofrendo sem oxigênio, além da cheia história que atingiu centenas de famílias não só em Manaus, mas em todo o Amazonas.
Para o combate à covid-19, a professora afirmou que as ações foram tímidas em Manaus, de diferentes níveis dos órgãos competentes, tanto como municipal, quanto estadual e federal. “As ações voltadas para a saúde pública precisam de diálogos e coordenação nos diferentes níveis. Quando não há essa estratégia, levam a situações cada vez mais complicadas”, disse.
Leia mais: Aleam renova contrato com reprografia por R$ 392 mil para imprimir documentos
Em relação à cheia histórica, que marcou o 2021 na cidade, a professora destacou que é necessário ter mecanismos de controles e de prevenção para atender a população vulnerável e, onde não há políticas para contornar a situação de calamidade, as pessoas terão maior chance de sofrer com os danos.
“Isso tem a ver com saneamento básico, que melhora a qualidade de vida, melhora a saúde. Tem a ver com as condições de moradia, com a mobilidade urbana, ou seja, a qualidade do transporte público. Também tem a ver com a questão da acessibilidade para pessoas com deficiência, para mulheres gestantes, crianças, idosos”, explicou.
Alguns pontos são os “favoritos” da prefeitura, principalmente aqueles que são mais visitados. Isso acaba deixando os bairros afastados de lado, deixando a população sem urbanização, saneamento básico, e afetando na condição de vida dos manauaras.
“É preciso pensar e planejar ações dentro da realidade de vida das periferias da cidade. Quando você vê uma cidade que é tão rica que tem espaços e possibilidades de trabalho, pela indústria, comércio e setores de serviço”, comentou.
Além disso, a Manaus afastada dos holofotes também carrega pessoas em áreas de risco e invasões. Em muitos casos, essa população fica sem auxílio e não recebe a atenção da prefeitura e, quando recebem, são retiradas dos locais sem planejamento.
Leia mais: Ex-prefeito terá de explicar contratação de show de Israel Novaes para Itacoatiara
“É preciso ter compreensão que existem urgências urbanas e existem projetos que precisam ser regularizados a partir de um claro planejamento urbano, que considere as melhores condições de habitação”, pontuou.
Para a professora, Manaus deveria servir como exemplo de preservação pública em questões urbanas, de educação e da cultura. “Esses 352 anos seriam tempos para se repensar, e tudo o que presenciamos recentemente passando por 2021 com todas as tragédias humanas. Seria um tempo de pensar, direcionar as estratégias políticas para tornar a cidade um lugar melhor de se viver, e não é uma cidade direcionada apenas para um público restrito. É uma cidade para todas as populações, pobres, ricas, mas que seja uma cidade boa de se viver”, destacou.
Apesar disso, a Profa. Dra ainda salientou que este aniversário de Manaus pode ser comemorado com coisas boas, já que a história e a herança cultural são ricas, mas é necessário preservar e construir uma Manaus para o futuro.
Acompanhe em tempo real por meio das nossas redes sociais: Facebook, Instagram e Twitter.
Não deixe de curtir nossa página no Facebook, siga no Instagram e também no X.