Manaus, 1 de maio de 2024
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Manaus, 1 de maio de 2024

Brasil

‘Poderíamos atrair investimentos para a região de maneira a manter a floresta em pé’, diz diretora do Greenpeace

O Greenpeace chegou ao Brasil em 1992, durante a realização da ECO-92, no Rio de Janeiro, evento das Organizações das Nações Unidas

‘Poderíamos atrair investimentos para a região de maneira a manter a floresta em pé’, diz  diretora do Greenpeace

Foto: Divulgação_Floresta_Amazônica

BRASIL – As pautas ambientalistas nunca foram tão atuais como nos dias de hoje. Anos após anos a transformação do meio natural sofre com a grande interferência humana, um dos motivos que, na maioria das vezes, causa a degradação dos diversos ambientes.

No Brasil, a preocupação é sobretudo pela preservação da floresta amazônica e seus ecossistemas, bem como a Amazônia Legal, que engloba estados da região Norte e Nordeste, entre eles: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do estado do Maranhão.

Nessas áreas, a presença da biodiversidade (variedades de ecossistemas – fauna, flora) ainda é muito vasta e a cobiça por tais riquezas é ainda maior. A busca por tesouros existentes na floresta amazônica tem devastado parte dela, com as inúmeras queimadas ao longo dos anos, causadas principalmente pelas invasões de terra.

Dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apontaram que de janeiro a novembro de 2021, a Amazônia perdeu 10,2 mil quilômetros quadrados de floresta por conta do desmatamento.

O valor acumulado é o maior dos últimos 10 anos durante o mesmo período. Comparado ao ano anterior, o número teve um aumento de 31%.

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Diante desses dados, o Portal Amazonas1 conversou com a porta-voz de uma das Organizações Não Governamentais (ONGs), mas conhecidas em todo o mundo, por sua atuação na causa ambientalista, a jornalista Carolina Pasquali, diretora-executiva do Greenpeace Brasil.

A instituição tem mais de 40 anos de atuação e chegou ao Brasil durante a realização da ECO-92, em abril de 1992, junto ao evento das Organizações das Nações Unidas (ONU), que tratou sobre o meio ambiente e da diminuição da degradação ambiental, causa que já vinha sendo debatida há anos, e, como resultado da ECO-92, um documento nominado como “A Carta da Terra” foi redigido, priorizando principalmente mudanças para um futuro sustentável.

Nesta conversa, Carolina Pasquali pontuou as áreas de atuação do Greenpeace no Brasil, fez um balanço das atividades, falou dos avanços de 1992 até os dias atuais e prospectou onde a organização quer estar daqui há cinco anos, principalmente quando o assunto é a preservação da floresta amazônica e de todo o planeta.

Carolina destacou, ainda, que o trabalho de conscientização do povo brasileiro quanto às pautas ambientais se tornou mais fácil nos dias atuais pelo uso das tecnologias – o que não podia ser comunicado há 30 anos, hoje a internet e as plataformas digitais fazem essa conexão com as pessoas que estão mais engajadas na causa.

Confira:

1 – O Greenpeace chegou ao Brasil em 1992, com a ECO-92, em uma realidade totalmente diferente dos dias atuais (no quesito tecnologia, espaço, ambiente, população, costumes) o que mudou de lá até agora?

Carolina Pasquali – Mudou muita coisa! Quando o Greenpeace se estabeleceu no Brasil, há 30 anos, fazer campanhas com foco em pautas ambientais era algo novo na nossa sociedade. O jeito do Greenpeace atuar, por meio do ativismo criativo, da exposição dos problemas para informar e mobilizar as pessoas, enfim, tudo isso era novo também.

Nessas três décadas, abrimos um escritório em Manaus, trabalhamos com pessoas de todos os lugares do Brasil, construímos uma rede de voluntários ativa em dezenas de cidades brasileiras, e vivemos também toda a transformação que a evolução da tecnologia nos trouxe. Quando começamos, um abaixo-assinado era em papel, né? Hoje, mobilizamos milhões de pessoas por meio das nossas petições on-line, das redes sociais, enfim, estamos muito mais conectados com gente de todo o país.

A tecnologia também nos permitiu avançar muito no monitoramento do desmatamento, na produção de dados e conhecimento para subsidiar nossas denúncias aos órgãos responsáveis pela fiscalização e impedir que mais crimes ambientais sejam cometidos.

Hoje existem diversas soluções focadas na adaptação das cidades diante de eventos extremos, como as chuvas torrenciais que geram enchentes e impactam a vida de milhares de pessoas todos os anos. Essas soluções e muitas outras já existem e podem ser replicadas de acordo com as realidades locais, mas a pergunta que devemos fazer é se elas estão sendo usadas da maneira como deveriam e quais têm sido as principais barreiras para tal. Essa é outra área de atuação do Greenpeace Brasil atualmente.

Apesar de estarmos atravessando um momento de muitas más notícias em relação à proteção do meio ambiente, vemos que uma parcela muito maior da população está conectada, engajada e preocupada com a proteção do nosso planeta. As juventudes conquistaram um protagonismo nunca antes visto e vêm desempenhando um papel fundamental no debate ambiental. De maneira plural, elas ecoam ao redor do mundo a necessidade urgente de mudança, porque já entenderam que a transformação precisa ocorrer agora, e não daqui a 10, 20 ou 50 anos.

Importante destacar que falar de meio ambiente é, também, falar de pessoas. A gente não enxerga isso de modo separado, e as soluções que buscamos e que precisamos implementar são soluções que atendam as comunidades diretamente afetadas, os povos tradicionais, os moradores das periferias. O povo brasileiro precisa escolher o caminho que quer seguir daqui para frente, em busca de mais equilíbrio e de um tipo de desenvolvimento econômico que não destrua o planeta e a nós mesmos. O que temos visto, infelizmente, é que outras pessoas estão fazendo essas escolhas por nós, e nós seguimos pagando um preço alto por isso.

2 – Houve mais perdas, do ponto de vista ambiental, que ganhos ou é uma questão que se iguala com o passar dos tempos?

Carolina Pasquali – Essa é uma questão interessante, mas hoje está cada vez mais difícil fazer essa análise. Perdemos muito, ganhamos muito também – no entanto, vitórias e derrotas isoladas não nos trarão a garantia de que conseguiremos viver em um mundo que não vai aquecer a ponto de inviabilizar a vida em parte do seu território.

O que eu quero dizer? O planeta, hoje, está em uma trajetória de aquecimento muito perigosa. Se seguirmos assim, teremos regiões inteiras onde não mais conseguiremos viver. Os eventos extremos serão tão frequentes que a vida como a conhecemos não será mais a mesma. Isso parece exagero, mas infelizmente não é. O que a ciência sabe hoje é que precisamos reduzir drasticamente as emissões de carbono – todos os países têm que fazer isso – para que ajustemos essa trajetória. É claro que alguns países, como a China e os Estados Unidos, emitem mais carbono e devem assumir compromissos maiores.

No caso do Brasil, quase metade das nossas emissões vem do desmatamento da Amazônia. A Amazônia desempenha um papel importantíssimo no equilíbrio climático do mundo inteiro – por isso ela está sempre sendo discutida. Essa poderia ser uma baita oportunidade para o nosso país: temos a maior floresta tropical do mundo e poderíamos atrair investimentos para desenvolver a região de maneira a manter a floresta em pé, com um olhar para a população amazônica e um projeto que seja compatível com esse grande patrimônio.

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Em 2020, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 89.604 focos de calor entre janeiro e outubro – Foto: Gabriela Bilo/Estadão

Ao invés disso, seguimos desmatando em um ritmo cada vez mais acelerado. Seguimos tratando os povos indígenas de maneira criminosa, seguimos incentivando que a economia da destruição avance a passos largos, com a expansão ilegal do garimpo, da extração de madeira, a abertura de pastagem, etc. Quem ganha com isso?

Por isso que eu digo que é difícil dizer se ganhamos mais ou perdemos mais – porque no fundo, estamos todos perdendo, infelizmente. A gente precisa mudar o olhar e entender que uma derrota derrotará a todos… Precisamos urgentemente parar de contar vitórias e trabalhar para construir novos modelos. E não temos muito tempo – essa década é crucial para isso.

Mas não quero fugir da pergunta – temos muitas conquistas que não são apenas do Greenpeace, mas de uma rede de organizações da sociedade civil que trabalha unida, com muita força e dedicação, para que avancemos nessa discussão tão importante para o Brasil e o mundo. Em 2006, por exemplo, após intensa negociação, o Greenpeace e outras ONGs ambientais conseguiram uma importante vitória para a preservação da floresta brasileira ao fazer com que as principais empresas em atividade no Brasil assinassem a Moratória da Soja, que estabelece o compromisso dessas corporações a não mais comprarem soja produzida em áreas recém-desmatadas da Amazônia.

Já em 2016, uma campanha realizada pelo Greenpeace contou com mais de 1 milhão de apoiadores e ajudou a fortalecer a luta do povo Munduruku para barrar o megaprojeto da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós que, se construída, alagaria parte do território desse povo, ameaçando seu modo de vida e destruindo a floresta no coração da Amazônia. Da mesma forma, em 2017, mais de 2 milhões de pessoas foram mobilizadas para impedir a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas na campanha “Defenda os Corais da Amazônia”. Esses são apenas alguns exemplos de vitórias que nos dão energia e esperança para seguir trabalhando pela defesa do meio ambiente.

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Crianças Munduruku na aldeia Dace Watpu. Foto: Otávio Almeida / Greenpeace

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Já nos últimos anos, estamos testemunhando o desmantelamento das principais políticas e órgãos de meio ambiente, indo na contramão da agenda climática. Com isso, houve uma explosão de denúncias de garimpos ilegais, a exemplo do recente acontecimento no Rio Madeira, no Amazonas, que reuniu centenas de balsas no município de Autazes no final do ano passado. Os territórios dos Munduruku e Sai Cinza, no Pará, tiveram também mais de 600 quilômetros de corpos d’água contaminados por conta do garimpo ilegal neste mesmo ano. O país bateu recorde de desmatamento na Amazônia, registrando em 2021 o equivalente a quase nove vezes o tamanho do município de São Paulo, o maior índice na região em quinze anos. Essas questões terão impacto na vida de todos nós, infelizmente.

3 – Quais as dificuldades que persistem ao longo dos anos e parece que não vão mudar tão cedo, quando se fala em conservação da natureza?

Carolina Pasquali – Vai mudar quando todos nós entendermos que é a nossa vida e a vida dos nossos filhos que está em jogo. Precisa mudar! A população brasileira está sofrendo na pele as consequências de escolhas que foram feitas por nós. Quando escolhem incentivar o desmatamento, todos temos que lidar com o desequilíbrio no regime de chuvas, com estiagens prolongadas, com o impacto da fumaça na saúde das nossas crianças, com as enchentes que afetam em especial as periferias e regiões mais vulneráveis. Somos vítimas dessas escolhas, vítimas de um olhar ultrapassado de desenvolvimento que precisa mudar.

Estamos vendo o afrouxamento de leis de proteção à natureza, flexibilização de regulação para crimes ambientais e diversas outras tentativas de aprovação de projetos de lei que vão na contramão daquilo que o Brasil precisa para garantir um futuro saudável para todos e todas. O perigo mora justamente em dizer que isso nunca vai mudar. É preciso mudar e, para que isso aconteça, precisamos de governantes que entendam as consequências dessa degradação para o Brasil e para o mundo. Precisamos responsabilizá-los e cobrá-los por medidas efetivas.

4- Quais as frentes de atuação do Greenpeace, hoje, no Brasil e na Amazônia?

Carolina Pasquali – Na Amazônia, o foco do trabalho é combater o desmatamento, trabalhando em parceria estreita com os povos indígenas e as comunidades tradicionais, e – ao mesmo tempo – buscando construir com aqueles que já estão operando numa lógica diferente, encontrando alternativas ao modelo atual de desenvolvimento, que a gente chama de economia da destruição, e mostrando que existem outros caminhos possíveis. A gente faz isso de várias maneiras diferentes – monitorando, denunciando, expondo, promovendo debates, fazendo campanhas, mobilizando pessoas.

Também atuamos em emergências, sempre que identificamos que temos como contribuir. Foi o que aconteceu em 2020 e 2021, por exemplo, por meio do projeto Asas da Emergência. No primeiro ano da pandemia, ao longo de 5 meses, o projeto levou 63 toneladas de oxigênio, materiais hospitalares, de proteção, higiene e alimentos para a Amazônia, junto a uma rede de diversas organizações que se uniu para disponibilizar apoio aos povos indígenas. Já em 2021, voltamos a atuar e foi feita até a doação de uma usina de oxigênio a São Gabriel da Cachoeira, município mais indígena do Brasil, beneficiando 23 etnias e cerca de 100 mil pessoas.

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Projeto Asas da Emergência transportava caixas de sabão, álcool em gel e cerca de três mil máscaras para São Gabriel da Cachoeira. Foto: Christian Braga – Greenpeace

Ao todo, o “Asas da Emergência” percorreu mais de 191 mil quilômetros, realizou 126 viagens e doou 125 toneladas de insumos durante sua duração. Vale lembrar que o Greenpeace não recebe (e nunca recebeu) um centavo de dinheiro público. Também não recebemos doações de empresas, então, tudo o que fazemos é fruto da doação de pessoas físicas, de gente que acredita no nosso trabalho e que apoia nossa causa.

Além do trabalho na Amazônia, também atuamos para discutir os efeitos das mudanças climáticas em especial nas populações mais vulneráveis, e cobrar do poder público que implemente medidas efetivas para impedir mais destruição. Essa é uma discussão que vai crescer muito, na medida em que se intensifiquem os eventos extremos.

5 – Muito se fala que as ONGs estão recebendo verbas federais e não investem no Brasil. Como é que funciona, de fato, essa questão da distribuição de verbas? Há de fato investimentos federais ou o valor arrecadado vem mais de doações e outras fontes de recursos?

Carolina Pasquali – O Greenpeace não recebe dinheiro de governos, de empresas e nem de partidos políticos. Nunca recebeu. Então, isso é fake news de quem está menos interessado em buscar soluções para o Brasil e mais interessado em tentar tirar a credibilidade das organizações que estão fazendo um trabalho sério. Então não, não há verbas de nenhum governo – municipal, estadual ou federal – na receita do Greenpeace. Nossas receitas vêm exclusivamente de doações voluntárias de pessoas físicas que apoiam nossa missão e nossa forma de trabalhar, e nossas contas são auditadas anualmente.

Como é possível dizerem, a não ser por má-fé, que não investimos no Brasil? Todos os recursos que arrecadamos são investidos em projetos no Brasil. Somos uma organização registrada no Brasil, com funcionários registrados no Brasil, que pagam impostos no Brasil. Além disso, trabalhamos incessantemente para mostrar aos brasileiros o que está acontecendo no nosso país e pedir a eles que se envolvam, que se mobilizem, que cobrem dos seus governantes uma postura proativa e um plano claro para o futuro em relação ao meio ambiente e ao clima. Isso não deveria incomodar tanto, mas infelizmente incomoda.

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As ONGs são um pilar importantíssimo em qualquer sociedade e buscam defender os direitos e os interesses da sociedade civil – com coragem, pluralidade e independência. Elas existem para fortalecer a democracia, cobrar dos governos um trabalho eficiente e assim contribuir para a construção de sociedades mais justas, igualitárias e inclusivas.

6 – Além dos projetos ambientais, quais outros projetos levam a marca do Greenpeace no Brasil?

Carolina Pasquali – Todos os projetos que o Greenpeace apoia promovem ou se envolvem no Brasil, e têm, por objetivo, questionar o modelo vigente de destruição que beneficia uns poucos e prejudica muita gente; construir caminhos para que a gente possa ter um futuro melhor, mais inclusivo e que respeite todas as formas de vida na Terra. Para quem quiser acompanhar mais de perto nosso trabalho, vale se inscrever no site para receber nossos e-mails e também acompanhar nossos canais nas redes sociais. Fica aqui o convite!

7 – Quais as projeções do Greenpeace para os próximos cinco anos de atuação?

Carolina Pasquali – Os desafios são muitos. Na Amazônia, precisamos zerar o desmatamento, coibir a atividade criminosa, garantir os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e engajar a sociedade para que a gente supere esse modelo de destruição vigente hoje.

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Dia Internacional das Florestas (21 de março), lideranças Munduruku. Foto: Rogério Assis / Greenpeace

A emergência climática, que já se impõe nos dias de hoje, demanda que ajustemos a rota com urgência. Os governos ainda não perceberam que esse é um problema que precisa ser encarado agora. As chuvas intensas no Sudeste, Norte e Nordeste, e as ondas de calor no Sul do Brasil, por exemplo, escancaram aquilo que a ciência já vem alertando: o aquecimento global torna os eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos.

De acordo com um estudo do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), o impacto da crise climática na América do Sul inclui o aumento da ocorrência de chuvas extremas e de altas temperaturas, que podem ser até nove vezes mais frequentes já na próxima década. Em resumo: não há nada de “normal” no que estamos vivendo – e o Greenpeace seguirá trabalhando insistentemente e incansavelmente para pautar esse debate com toda a população e cobrar dos nossos líderes que se engajem em soluções.

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Sobre a porta-voz:

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Carolina Pasquali é jornalista e diretora executiva do Greenpeace Brasil desde maio de 2021, onde lidera um time de quase 200 funcionários e dois escritórios, em São Paulo (SP) e Manaus (AM), e que conta com cerca de 4.500 voluntários ativos em todo o país.
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