Manaus, 6 de maio de 2024
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Manaus, 6 de maio de 2024

Proibido advogar para os pobres

A advocacia tem defendido o interesse dos consumidores, que trazem os mesmos fatos, porém, tem sido taxada de predatória em vez de ativa.

Proibido advogar para os pobres

(Foto: Depositphotos/Reprodução)

Por Fabrício Paixão*

Apesar de a Constituição assegurar que o advogado é indispensável à administração da Justiça e – por lei – ser determinado que não há hierarquia e subordinação entre advogados, juízes e promotores, a realidade da advocacia brasileira, nos fóruns, se revelada fosse, desmotivaria qualquer estudante de primeiro período.

Não é incomum os advogados se queixarem dos maus-tratos morais que recebem na relação com os juízos.

Recentemente me deparei com um alerta genérico que os juízos emitem, segue a mensagem: “FICA ADVERTIDO aos nobres constituintes que este juízo está atento aos protocolos (distribuição atípica) de ações similares, para identificar e coibir abuso (advocacia predatória!!!), nos termos da Resolução 127/2022-CNJ” (DESPACHO DE JUIZ). Com bastante exclamação, demonstrando uma certa indignação.

Como falei, não se trata de um caso específico, é uma mensagem geral, como se tivesse que ser lida por todos os advogados que atuem nesse juízo. Não quero dizer que isso é ausente da prática de alguns advogados, porém, torna-se humilhante à profissão quando se generaliza.

Sabe-se que existem juízes ineficientes no Poder Judiciário local, imagine se os advogados colocassem na peça jurídica: “Este patrono encontra-se atento ao desrespeito ao princípio da eficiência que ocorre nas varas cíveis da comarca de Manaus”. Ora, isso geraria indignação sem tamanho. Seria uma ofensa aos bons juízes.

Acredito que boa parte desta advertência se deve aos ajuizamentos de ação contra os bancos. Uma vez que lesam os consumidores com descontos indevidos. E isso tem gerado várias ações em massas.

Ora, qualquer pensador crítico chegará à conclusão de que o banco calcula o risco jurídico. Ou seja, desconta indevidamente de milhares de clientes, sabendo que somente algumas dezenas irão ajuizar ação.

O banco não deixa de lucrar, por isso continua descontando dezenas de reais de milhares de pessoas. Ainda que tenha várias condenações de reparação indenizatória, mas continua descontando dos clientes. Isso aconteceria se o banco não estivesse tendo lucro? Claro que não.

O ciclo parece ser esse, perde uma ação, porém, ganha muito mais descontando de pessoas que não ajuízam ação por falta de informação. Isso implica também na conclusão de que a indenização não tem sido pedagógica, pois o banco nunca aprende.

A advocacia tem defendido o interesse dos consumidores, que trazem os mesmos fatos, porém, tem sido taxada de predatória ao invés de ativa.

Como assim? Não deveria o Poder Judiciário se indignar com os bancos que tomam o dinheiro dos consumidores de forma indevida? A solução não seria punir o banco com condenações relevantes visando prevenir novas ofensas aos consumidores? Não tem lógica isso. Imagine uma pessoa X que cometa muitos crimes, utilizando-se dos mesmos métodos, daí um policial Y prende ela, depois é solta pelo delegado. Comete crime novamente, o policial Y a prende outra vez, o delegado solta, sendo que se repete isso diversas vezes, até que o delegado chama o policial e diz: “estou atento ao seu policiamento predatório. Está cometendo abuso por prender essa pessoa inúmeras vezes”. Daí o policial Y diz: “Eita, como assim? Estou somente

fazendo meu trabalho. O errado sou eu? Não seria erro do criminoso?”.

Assim caminha o Poder Judiciário no Brasil, os bancos estão soltos cometendo atos ilícitos, enquanto se o advogado, sendo essencial à Justiça, ajuizar uma ação será advertido por ser o malvado da história.

Num olhar mais aprofundado, a verdade disso é: o direito é para poucos. Seria utópico sonhar com um Poder Judiciário em que todos pudessem ser reparados em suas ofensas. O pobre deve se contentar, como acontecia historicamente no Brasil, em ser lesado. Pois se forem em busca de seus direitos efetivos, o poder judiciário irá advertir os advogados. Irão taxar os advogados como predadores. Coitado dos bancos, né.

A lei garante o direito de todos, a isonomia. Mas isso é conversa para ficar no papel, efetivar não.

Lembro que a advocacia era elitizada no país, o acesso à Justiça era somente aos ricos. Os pobres se tornaram advogados, com isso, estão levando os parentes pobres às portas do Judiciário, isso incomoda.

O estatuto da OAB cristaliza o elitismo – o que não corresponde à nova realidade da advocacia. Antes, os pobres deveriam se contentar com o direito penal e do trabalho, mas agora estão acessando o direito civil. O acesso à Justiça de maneira universal seria apenas uma expressão simbólica. Não deveria ser efetivada, talvez, pense o Estado.

A justiça gratuita está sendo dificultada. Até se o pobre tiver um aplicativo de músicas que custa R$ 20,00 tem que pagar custas processuais. Sabe-se que é uma forma de impedir o ingresso ao Poder Judiciário. Não estão preocupados em arrecadar dinheiro ao Estado, talvez, se tenha como única finalidade evitar a visão de pobres pelos corredores dos fóruns.

O Estado concedeu aos pobres hospitais públicos e escolas, mas resiste em conceder o Poder Judiciário. Não vão aceitar facilmente. Daí, os discursos elitistas vão aumentar: “tem muito advogado”, “a prova da OAB deve ser mais difícil”, “é muita faculdade de direito”, “antes era melhor”. E por aí vai.

Aliás, tenho a leve sensação de que a prova da OAB seria uma ferramenta elitista para evitar mais pobres batendo na porta do Poder Judiciário. Uma vez que menos advogado, mais caro o serviço, logo, menos pobre contratando advogado.

Não vejo essa reclamação em relação ao número de professores. Quanto mais professores, melhor, dizem. Pois pobre pode ir à escola, Poder Judiciário, não. Lá é lugar solene. Lugar de excelência. Uma linguagem diferente. Não se pode usar os termos cotidianos. Ou seja, é o lugar que não suporta pobres. Por isso, o formalismo exigido.

O pobre pode usar a linguagem cotidiana perante um médico, ainda que a medicina seja mais complexa que o direito, mas não no Poder Judiciário, lá se utiliza o latim ainda, uma vez que pobre não deve entender a missa, somente reverenciar os santos.

Ocorre que o fenômeno de pobres que se tornaram advogados aconteceu, com isso, falam para tia, primo e vizinhos que tal taxa é abusiva, informam os pobres que têm direitos. Isso os leva ao Poder Judiciário. E vai continuar ocorrendo num avanço sem precedentes.

Ou o Poder Judiciário se acostuma com o fenômeno dos pobres sendo levado ao Judiciário por advogados que vieram da pobreza, e a OAB muda o estatuto elitista, ou vão criar uma lei dispondo: “proibido advogar aos pobres”. Ou então melhor, vão fazer uma prova de exame que faça o bacharel desistir de ser advogado. Em nome da exclusão? Não! Será em nome de uma advocacia solene, ética, digna e não predatória (leia-se que busca o direito dos afortunados). Os pobres que se contentem com a fila quilométrica das defensorias públicas e seus direitos entregues nas mãos dos estagiários.

Lembrei de uma defensora que corrigiu meu cliente pobre: “como assim? Se é baixa renda tinha que procurar uma defensoria pública. Não ter um advogado particular”. Respondi: “Dra. Excelência, não se espante, me contento em receber menos que vossa senhoria para estar aqui nesta audiência e prestar uma defesa digna ao meu cliente, não estou balizando meus serviços na tabela elitizada da OAB, afinal de contas, todos têm direito ao acesso à Justiça. Juro que não sei quanto um rico pode pagar, mas eu sei, e como sei o quanto um pobre pode pagar, pois sou um”.

(*) Professor, advogado, filósofo, psicólogo e teólogo

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