Manaus, 21 de maio de 2024
×
Manaus, 21 de maio de 2024

Política

Relatório aponta risco de genocídio com a aprovação do Marco Temporal

Observatório alega que contatos forçados com povos em isolamento representa risco concreto aos povos isolados.

Relatório aponta risco de genocídio com a aprovação do Marco Temporal

(Foto: Marcelo Casal/Agência Brasil)

Manaus (AM) – O Observatório dos Povos Indígenas Isolados afirma que existe risco de genocídio de povos isolados no artigo 28 do Projeto de Lei 2903/2023, que tramita no Senado da República após ser aprovado no plenário da Câmara Federal – onde era o PL 490/2023.

O projeto que tenta implementar o marco temporal para demarcação de terras indígenas contém também outros retrocessos, como a flexibilização da política de não contato, que prevê o respeito à recusa dos grupos isolados em fazer contato com a sociedade nacional.

Na nota técnica enviada à frente parlamentar indígena, o Opi aponta que o artigo 28 do PL 2903 abre brecha para a volta dos contatos forçados com povos em isolamento e isso representa risco concreto de genocídio, conforme a Convenção Internacional para Prevenção e Repressão ao Genocídio, que vigora no Brasil através da Lei 2889/1956.

O artigo prevê que “no caso de indígenas isolados, cabe ao Estado e à sociedade civil o absoluto respeito a suas liberdades e meios tradicionais de vida, devendo ser ao máximo evitado o contato, salvo para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública”.

O Opi aponta que a previsão de “intermediar ação estatal de utilidade pública” é um retorno a políticas que, na época da ditadura militar, provocaram a morte de milhares de indígenas e até o desaparecimento de grupos inteiros.

“Evidentemente, utilidade pública se refere a toda e qualquer atividade (supostamente) de interesse público, tal como rodovias, hidrelétricas, mineração, projetos de colonização, agropecuária, entre outras iniciativas desenvolvimentistas. (…) Importante lembrar que a implementação de grandes projetos de (suposto) interesse público nas décadas de 1970 e 1980 – assim como nas décadas anteriores – justificaram o contato forçado com povos isolados e ocasionaram subsequentes processos de mortes em massa”, diz o documento.

“Há inúmeros casos, tal como do povo Panará, contatado e violentado em 1975, no contexto da construção da BR-163 (Cuiabá-Santarém); dos Waimiri Atroari, contatados após o uso de bombas pelo Exército brasileiro durante a construção da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista); do povo Matis, no oeste do Amazonas, cuja redução populacional do pós contato quase os leva ao completo extermínio, no contexto de construção de trecho da rodovia Perimetral Norte em meados da década de 70; dos diferentes grupos locais Awá no Maranhão, contatados e resgatados ao longo das década de 1970 e 1980 em trechos de floresta que restaram em região devastada pela construção da ferrovia Carajás”.

Por causa das consequências historicamente genocidas do contato forçado, o Brasil abandonou essa prática em 1987, numa mudança que foi internacionalmente pioneira. Desde o estabelecimento da política de não contato, é “proibida toda e qualquer ação ou projeto desenvolvimentista em território de indígenas em isolamento, portanto, o contato forçado nos casos de (suposto) interesse público”, sustenta o documento do Opi.

O parágrafo segundo do artigo 28 também preocupa a organização indigenista, porque prevê a possibilidade de contratação de “entidades particulares, nacionais ou internacionais” para realizar o contato forçado com comunidades indígenas isoladas. A previsão, diz o Opi, “dá espaço a outra grave violação de direitos humanos dos povos indígenas isolados, pois permitiria ao Estado brasileiro terceirizar, sob sua intermediação, o contato com povos indígenas isolados nos casos de ações de utilidade pública. A lei facilitaria, por exemplo, que grupos religiosos extremistas, sob a cortina oficial do Estado brasileiro, realizassem contatos forçados com esses povos e grupos isolados. A aliança entre o Estado e a Igreja em iniciativas de contato e evangelização de povos indígenas não é nova e provocou conhecidamente inúmeros casos de etnocídio e genocídio. São práticas já abandonadas pela Igreja Católica desde meados do século XX; e na década de 90, o Estado brasileiro extinguiu convênios e cooperações técnicas com grupos fundamentalistas”.

(*) Com informações da assessoria