Manaus, 27 de abril de 2024
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Manaus, 27 de abril de 2024

Cenário

A representatividade política é um avanço, mas ainda é preciso romper barreiras, analisam parlamentares e especialistas

O Portal AM1 conversou com uma deputada, uma vereadora, uma prefeita, uma cientista social e uma cientista política e socióloga sobre o assunto.

A representatividade política é um avanço, mas ainda é preciso romper barreiras, analisam parlamentares e especialistas

(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Manaus (AM) – Neste dia 8 de março, é comemorado mais um Dia Internacional da Mulher e mesmo com importantes conquistas, a luta por avanços e direitos para elas continua em todas as esferas da sociedade, uma vez que o público feminino não quer apenas garantias que fiquem na teoria, mas sim, maior segurança, dignidade e, principalmente, uma contínua vigilância para a manutenção dessas conquistas, que podem ser facilmente ameaçadas.

O Portal AM1 ouviu mulheres representantes do público feminino em nossa região para trazer ao leitor uma visão sobre o significado e a importância dos avanços conquistados até aqui, bem como entender o que as mulheres ainda precisam alcançar e o que elas realmente querem.

A nossa equipe conversou com uma deputada, uma vereadora, uma prefeita, uma cientista social e uma cientista política e socióloga sobre o assunto.

Para elas, os direitos adquiridos no decorrer dos anos representam, sim, um avanço, mas ainda há muito que se conquistar, já que o público feminino representa a maioria da população, assim como a maioria do eleitorado, no entanto, continua sub-representado em todos os segmentos existentes no país.

Representatividade local

A Câmara Municipal de Manaus (CMM) possui, atualmente, uma bancada feminina formada por quatro mulheres. São elas: Glória Carratte (PL); Professora Jacqueline (União Brasil); Thaysa Lippy e Yomara Lins (PRTB). O número representa 9,8% do total de 41 cadeiras na Casa Legislativa.

Já na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), as mulheres são representadas por Alessandra Campêlo (Podemos); Joana Darc (União Brasil); Débora Menezes (PL), Dra. Mayara Pinheiro (Republicanos) e Mayra Dias (Avante), um percentual de 20% dos 24 parlamentares.

Além disso, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) é presidido por uma mulher e, em todo o estado, há cinco prefeitas comandando os municípios de Beruri; Ipixuna; Itapiranga; Nhamundá e Presidente Figueiredo.

Deputada

Na visão da deputada de primeiro mandato, Débora Menezes, uma das conquistas que merece ser celebrada é a maior representatividade nos Parlamentos. Menezes citou as quatro vereadoras da CMM, as cinco deputadas da Aleam e a presidência do TCE-AM que, hoje, pertence a uma mulher.

A parlamentar reconhece que, mesmo com a maior representatividade do público, é preciso avançar em muitos aspectos, destacando os vários casos de violência que acontecem contra a mulher.

“É fato que a mulher tem ganhado cada vez mais espaço e voz em vários segmentos da sociedade, muito embora eu entenda que ainda há muito a ser conquistado. Como poderíamos imaginar que a mulher poderia galgar espaços predominantemente masculinos? Como parlamentar e mulher tenho colocado meu mandato em defesa do público feminino, apresentando projetos e ações que possam garantir cada vez mais o acesso delas seja no parlamento, no mercado de trabalho, incentivando o empreendedorismo, e também garantindo proteção em casos de violência”, afirmou.

Débora lembra que a desigualdade de gênero ainda é uma realidade em muitos lugares, prejudicando as mulheres em diversos aspectos, como na educação, na carreira profissional e no acesso a direitos básicos.

“Entendo que ainda há um caminho muito longo a ser percorrido, porque existem muitas mulheres que ainda são vítimas de violência, que têm seus direitos cerceados, que apesar dos avanços ainda são subjugadas. No entanto, estamos aqui para dar voz e vez a elas, incentivando sua força, destacando suas competências e a capacidade de liderança”, pontuou.

Vereadora

A vereadora Yomara Lins disse à reportagem que é preciso ampliar a representatividade feminina nos espaços de poder de decisão, mesmo com avanços relacionadas ao combate à violência contra a mulher, políticas de igualdade salarial, entre outros.

“É necessário avançar em áreas como a garantia de creches e assistência à maternidade, combate ao assédio no ambiente de trabalho e ampliação do acesso das mulheres a cargos de liderança. As mulheres manauaras almejam igualdade de oportunidades, segurança, acesso à saúde e educação de qualidade, além do reconhecimento de seu papel na sociedade e nos processos decisórios”, disse.

Para a parlamentar, existem muitos desafios, porém existem sim conquistas significativas para se comemorar, como o aumento da conscientização sobre questões de gênero e o fortalecimento da rede de apoio às mulheres em situação de vulnerabilidade.

Yomara afirmou que está engajada na luta pelos direitos das mulheres, defendendo políticas públicas que promovam a igualdade de gênero, o combate à discriminação e o empoderamento feminino em Manaus.

Prefeita

Para a prefeita de Presidente Figueiredo, Patrícia Lopes (União Brasil) as mulheres tem uma visão mais ampliada da sociedade e são mais habituadas ao diálogo, além de terem maior conhecimento de causa sobre pautas femininas. Além disso, ela enfatiza que o público feminino já demonstrou ter qualificação semelhante à dos homens para ocupar quaisquer funções e, por esse motivo, o público busca mais espaço, principalmente em todas as esferas de poder.

A gestora municipal disse que na data que marca o Dia Internacional da Mulher é preciso maior conscientização para que as mulheres sejam de fato respeitadas, uma vez que ainda continuam sendo vítimas de violência sexual, física, moral, patrimonial e psicológica.

“Vejo as mulheres com a responsabilidade de fazer o país redirecionar o caminho para o bem-viver. A luta das mulheres por direitos humanos tem percorrido um longo caminho por reconhecimento e efetivação. A primeira coisa é a estrutura de desigualdade entre homens e mulheres na sociedade e no mercado de trabalho. Existe uma imagem sobre o que é uma mulher na sociedade, e elas ainda não são vistas como alguém de decisão, que resolve, e a ideia da política é ligada a isso”, destacou.

Patrícia frisou também o crescimento da escolarização entre as mulheres com o decorrer dos anos – o que fez com que o público crescesse em todos os níveis de ensino e aumentasse sua inserção no trabalho remunerado, entrando em nichos de trabalho, antes considerados masculinos.

“Mesmo assim, sua presença continua majoritária, principalmente, no setor de serviços, no emprego doméstico e nas áreas tradicionalmente ‘femininas’ do conhecimento, como educação, saúde e bem-estar, ciências humanas e artes”, afirmou.

Lopes também citou diversas conquistas no campo da política nacional, enfatizando que, apesar desses avanços, ainda persistem as desigualdades de gênero, as discriminações e violência contra as mulheres.

“Apesar da longa jornada enfrentada ao longo da história, os números mostram que ainda há muito a caminhar. Desde o final do século XIX, as mulheres se mobilizaram no Brasil e no mundo, na luta pelos direitos civis, políticos e sociais. Ganhamos muitas batalhas, votamos e podemos ser votadas, somos mais escolarizadas, mas a marca da desigualdade ainda está presente na sociedade brasileira. Ser mulher é enfrentar um desafio diferente todos os dias. É superar barreiras, muitas vezes, invisíveis”, frisou.

Patrícia também chamou atenção para a permanência das violências sofridas no cotidiano e dentro de quatro paredes; afirmando que a construção democrática ainda está longe de ser uma realidade para as mulheres no país.

“A realidade das mulheres no Brasil, assim como no mundo, ainda é marcada por desigualdades e muita violência. Ainda estamos sujeitas a sofrer, desde a infância, violências cotidianas que seguem por toda a nossa vida.”

Números no interior

Em relação às mulheres que representam seus municípios, apenas cinco mulheres comandam cidades do interior do estado. São elas: Dona Maria; Maria Oliveira; Denise Lima, Marina Pandolfo e Patrícia Lopes, ou seja, apenas 8,1%, no universo de 62 cidades que compõem o Amazonas.

Nas eleições de 2020, 22 (7,8%) mulheres eram candidatas ao cargo de prefeita, de 282 chapas comandadas por homens.

Para a prefeita de Presidente Figueiredo isso é uma realidade que precisa ser mudada.

“Temos de garantir a paridade de gênero no Congresso Nacional e nas Assembleias. A lei que exigiu um mínimo de 30% de mulheres candidatas nas chapas foi importante, mas não é suficiente. É fundamental o estímulo ao lançamento de mais candidaturas femininas. Ajudam nesse processo medidas como a garantia de recursos financeiros para o financiamento das campanhas; ações educativas para combater a desigualdade de gênero e ações afirmativas, como a reserva legal de cotas para mulheres em alguns cargos”, sugeriu a gestora.

Sub-representatividade

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(Foto: Arquivo Pessoal)

De acordo com Aline Paiva Conceição, cientista social formada pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), apesar dos inúmeros avanços e conquistas, a desigualdade de gênero se perpetua como um problema social que necessita de muita atenção, debate e resoluções.

Aline citou os números do último censo demográfico que apontou que as mulheres representam a maioria da população local (50,13%), bem como o maior eleitorado (53%), segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e criticou o fato do público feminino ainda ter sub-representatividade em cargos de chefias nas instituições privadas e públicas como Governos, Parlamentos, secretarias e outros espaços do poder político-decisório.

Ao mesmo tempo a especialista reconhece o aumento da bancada feminina no Parlamento Estadual, por exemplo, mas pontua a necessidade de uma maior participação.

“Em meu recente estudo sobre a participação feminina na política amazonense, inferi que o crescimento da bancada coincidiu com o aumento de projetos de lei voltados à agenda feminina, apresentados e aprovados na Aleam. Isso se trata de um fenômeno mundial, que revela serem as mulheres minoria em todos os espaços de poder, principalmente quando se leva essa problemática para camadas que perpassam a questão de raça e orientação sexual, uma vez que a presença de mulheres negras, indígenas e transgênero são ainda mais restritas”, afirmou.

Aline também mencionou as problemáticas, como a violência em ambiente doméstico e laboral, a desigualdade econômica e salarial, a opressão sobre o direito reprodutivo, assédio moral, importunação sexual, entre outras.

“Existem conquistas sim, graças às lutas e engajamento político dos movimentos sociais feministas e progressistas, que romperam barreiras históricas e conquistaram para as mulheres direitos políticos e sociais.

Quando questionada o que se pode fazer para mudar essa realidade, a cientista social afirmou que é preciso que as mulheres se movimentem e entendam que existem sob a tutela do patriarcado, uma estrutura social que visa manter o status  de que o homem é detentor de poder e privilégios, enquanto as mulheres são cidadãs inferiores que não possuem os mesmos direitos.

“Esse pensamento privou as mulheres por muito tempo de exercer a plena cidadania, para quebrar esse estigma elas se uniram, se organizaram e se articularam politicamente para conquistar esse direito. Contudo, não existe uma estabilidade para a manutenção dos direitos femininos, arduamente conquistados, pelo contrário, eles são facilmente ameaçados, seja por governos ou instituições. Precisamos lutar com firmeza e zelo, começando por um trabalho de base ao ensinar nossos filhos, futuros homens, que podemos coexistir com isonomia, empatia e respeito”, frisou.

Luta constante

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(Foto: Arquivo Pessoal)

Para a professora, socióloga e doutora em Filosofia Política, Ivanilce Chagas a luta feminina por direitos de igualdade tem se intensificado garantindo inúmeras conquistas em todas as instâncias sociais. No entanto, as entraves ainda se impõem à luta feminina por igualdade de gênero que está longe de ser completamente superada.

“Não se pode deixar de destacar a urgência em soluções de problemas como a carência de creches, priorizando vagas para os filhos de mães solo e/ou mães de estratos de baixa renda; o problema da insegurança, o problema da vulnerabilidade econômica; da falta de moradia; de qualificação profissional; do acesso à informação, de falta de incentivo à participação na política parlamentar entre outras demandas não menos importantes”, enfatizou.

Ivanilce citou também o papel importante dos movimentos de mulheres, a criação de uma agenda pública para o debate das necessidades e interesses das mulheres, que segundo ela tem gerado avanços na conquista de direitos e assegurado a elaboração de políticas públicas importantes para a luta feminina por igualdade.

“As mulheres querem e, principalmente, precisam de acesso à informação; de proteção e de amparo; de incentivos à representatividade nos espaços de poder e decisão política; de incentivos à emancipação econômica; de programas de promoção à qualificação profissional e cultural; de acolhimento, de oportunidades. Considerando a posição de onde saímos, acredito que apesar de ainda estarmos longe da plena igualdade de direitos, muito já se conquistou ao longo do percurso da luta”, finalizou a especialista.

Datas históricas

Algumas importantes e mais conhecidas conquistas das mulheres na história são:  fim da escravidão, ocorrida em 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Área e assim foi encerrado o período de escravidão no país que durou quase três séculos; a criação do Partido Republicano Feminino em 1910; a eleição de Alzira Soriano de Souza em 1928, se tornando a primeira prefeita brasileira, quando ainda não existia o voto feminino; o direito de votar conquistado em 1934; Lei do Divórcio aprovada em 1977; a aceitação de mulheres nas Forças Armadas em 1980; o surgimento da primeira Delegacia da Mulher em São Paulo no ano de 1985; o fato da falta de virgindade deixar de ser crime no ano de 2002; a criação da Lei Maria da Penha em 2006; a eleição da primeira mulher presidente do Brasil (Dilma Rousseff) em 2010; a aprovação da Lei do Feminicídio em 2015; a importunação sexual passou a ser considerada crime no ano de 2018; o combate à violência política contra a mulher virou lei em 2021 e o alcance da maior representatividade da bancada feminina nas eleições de 2022.

 

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