Manaus, 26 de abril de 2024
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Cenário

Vereadores usam recesso para praticar assistencialismo

O assistencialismo político é algo que sempre existiu no Brasil, mas que freia o avanço de políticas públicas eficazes para pessoas carentes

Vereadores usam recesso para praticar assistencialismo

Foto: Robervaldo Rocha / CMM

MANAUS, AM – Nem mesmo o recesso parlamentar na Câmara Municipal de Manaus (CMM) impede que vereadores da Casa Legislativa trabalhem com o assistencialismo político à população manauara. Nas redes sociais de alguns vereadores, suas agendas vêm sendo divulgadas e, entre a programação, estão: sorteios em programas de Webtv, distribuição de cestas básicas e até consultas médicas nas comunidades de Manaus.

Entre os parlamentares que têm utilizado esses recursos, estão os vereadores Elan Alencar (Pros) e Sandro Maia (DEM), ambos de primeiro mandato na CMM, além de Glória Carrate (PL).

O vereador Elan Alencar possui um programa nominado “A serviço do povo amazonense” na internet e semanalmente faz anúncios com cards com sorteios de PIX e cestas básicas para os internautas que participam das transmissões ao vivo nas terças-feiras.

O parlamentar teve, recentemente, seu nome envolvido em um processo de não pagamento de pensão alimentícia, mas que já foi sanado logo após a repercussão do caso na mídia.

Elan Alencar foi procurado por meio de sua assessoria de comunicação e até mesmo por mensagem de WhatsApp e ligações telefônicas. Na ocasião, ele disse que não podia atender a ligação; espaço fica aberto para esclarecimentos futuros.

Assistencialismo político
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Cestas básicas

Já o vereador Sandro Maia, que também tem uma instituição social no bairro Alvorada e que leva seu nome, também distribuiu cestas básicas em Manaus e usou suas redes sociais para divulgação do feito.

De acordo com a assessoria de comunicação do parlamentar, o custo da compra das cestas básicas vem de recursos próprios de Sandro Maia e que não o mesmo não pensa em candidatura nas próximas eleições, em 2022. A assessoria informou, ainda, que não há uma seleção para entrega das cestas.

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Vereador Sandro Maia entregando cestas básicas à população – Fotos: Thiago Cardoso

“As doações de cestas básicas estão sendo feitas por recursos próprios, ajuda de amigos, pois sempre realizou esses trabalhos comunitários mesmo antes de se tornar vereador, portanto não está fazendo isso pensando em candidatura e não virá como candidato. Nenhum critério é analisado, as cestas básicas são doadas para pessoas carentes, famílias que estão necessitando que o procuram diariamente pedindo ajuda e como forma de amor ao próximo as doações são feitas.”

Embora Sandro Maia seja vereador de primeiro mandato, pesa contra ele uma denúncia de nepotismo, no Ministério Público do Amazonas (MP-AM), que apura contratação de parentes do parlamentar na CMM.

Leia mais: Nepotismo: vereador Sandro Maia é investigado por contratar parentes

Consultas médicas

Quem também vem divulgando serviços de atendimento médico em suas redes sociais é a veterana de seis mandatos na CMM, Glória Carratte (PL).

Ao lado de seu esposo, o médico e ex-deputado Miguel Carratte, eles aparecem em uma comunidade de Manaus realizando consultas médicas. Na postagem, Glória disse que embora fosse um dia de sábado, ela permanecia com seu trabalho nas ruas da cidade.

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“A semana de trabalho ainda não acabou e, neste sábado, atendendo as solicitações das famílias, estive no Fazendinha, na Zona Norte de Manaus. Na ocasião, foram feitos atendimentos médicos pelo dr. @miguelcarratte e também, tive a oportunidade de conversar sobre as necessidades do bairro e os cuidados que devemos ter com a saúde! Nosso compromisso é ouvir e cuidar da população da nossa cidade”, escreveu a vereadora.

Leia mais: Glória Carrate é condenada a devolver R$ 3,2 milhões aos cofres públicos do AM

Neste mês de julho, uma sentença em desfavor de Glória pede que a parlamentar devolva o valor de R$ 3,2 milhões aos cofres públicos. A decisão foi proferida pelo juiz Leoney Harraquian, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Manaus.

O procedimento foi movido pelo Ministério Público do Amazonas (MP-AM), após a constatação de uso ilegal de servidores públicos da vereadora e do então deputado estadual Miguel Carratte, com recursos da Câmara Municipal de Manaus (CMM) e Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), respectivamente.

A assessoria de comunicação de Glória Carrate foi procurada para falar sobre as consultas médicas em comunidades de Manaus, todavia, a equipe do Portal AM1 não obteve retorno até o fechamento da reportagem; espaço fica aberto para esclarecimentos futuros.

Do ponto de vista social

Para a assistente social e coordenadora de curso universitário, Francenilda Gualberto, a questão do assistencialismo político cresceu durante a pandemia com o aumento do desemprego, o que levou muitas famílias a extrema pobreza no Brasil.

“Por conta da pandemia em 2020, esse cenário se ampliou e se aprofundou. Essas desigualdades sociais intensificou as ações de assistencialismo. É claro que muitas famílias de fato estavam necessitando do seu direito básico, que é a alimentação, o que levou toda a sociedade a se mobilizar, mas infelizmente dentro de uma ação assistencialista, que é paliativa, ela não é sustentável, ela não retira as famílias da situação de miséria, da pobreza e da fome de forma permanente, ela é apenas pontual. Por conta disso, a gente precisa entender que, ainda que a população tenha sentido mais do que nunca, em 2020, sobretudo a necessidade de ter o seu alimento no dia a dia, no entanto, isso também intensificou a busca pela promoção política e muito desses políticos têm se utilizado disso”, comentou.

Francenilda também comentou que as últimas eleições esse tipo de assistencialismo cresceu e que são ações que deixam a população dependente desse tipo de oferta.

“Nas últimas eleições a gente tem observado uma ação muito direta desse tipo de ação, principalmente na doação de cestas básicas, na busca de alguma forma contribuir “solidariamente” para essas famílias. Essas ações não resolvem a problemática e eu acredito particularmente que o investimento poderia se dar em ações mais efetivas, contribuindo com organizações que têm atuado no campo da política pública de assistência social e, a gente observa o uso indevido desse tipo de ação, gerando de fato e caracterizando o que chamamos de assistencialismo político. Infelizmente essa é a nossa realidade, enfatiza Francenilda.

“Isso dificulta de fato a eficácia da implementação de políticas públicas, porque realmente vai direcionar para um conjunto de ações ineficazes, não atingindo a realidade da população como um todo e, consequentemente não garantindo o acesso ao direito à política de assistência social, enquanto direito e dever do Estado. A população em vulnerabilidade social é a que vai sofrer mais, ela será mais atingida, o que pode levar ao agravamento em sua condição de vulnerabilidade”, disse a assistente social.

Gualberto enfatizou ainda, que esse tipo de conduta dos parlamentares em todo o Brasil, é uma falta de respeito com a população quando os políticos realizam esses sorteios, distribuem cestas básicas ou mesmo realizam consultas médicas para atrair a atenção do eleitor, utilizando a condição dessas famílias, com intenção de ganhar votos nas eleições futuras.



“Tais ações articuladas ao fortalecimento e empoderamento de grupos sociais, rompem com o assistencialismo, pois buscam instumentalizar a população para serem protagonistas de sua história. Temos que considerar que temos ações nessa direção.”

Francenilda Gualberto é assistente social , mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia; coordenadora do curso de Serviço Social da Uninorte e conselheira do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS).

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