Manaus, 13 de maio de 2024
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Manaus, 13 de maio de 2024

Cidades

Frente evangélica na CMM levanta debate sobre limites entre fé e Estado laico

Grupo consolidou-se como um círculo neopetencostal na Casa

Frente evangélica na CMM levanta debate sobre limites entre fé e Estado laico

Membros da Fepacri também se reúnem em cultos realizados nas dependências da CMM (Foto: Assessoria vereador João Carlos)

Manaus (AM)– Criada na legislatura anterior da Câmara Municipal de Manaus (CMM) e reinstalada neste ano, a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e dos Valores Cristãos (Fepacri) consolidou-se como um círculo neopentecostal na Casa.

A publicação de notas de repúdio a ações contrárias ao dogma cristão, como a invasão de uma igreja em Curitiba, e a defesa de projeto de lei (PL) que regulamenta o serviço de Capelania são algumas iniciativas do grupo.

Além da atuação no plenário, os membros da Fepacri também se reúnem em cultos realizados nas dependências da CMM. O vereador Marcel Alexandre (Avante) já usou o tempo na tribuna para divulgar as atividades do grupo – o que levanta a questão do respeito aos limites entre fé e Estado laico.

“Nossos momentos de devocionais não ferem qualquer crença religiosa, pois não impomos nada a ninguém e nem pregamos religião”, explica a vice-presidente da Fepacri, Yomara Lins (PRTB). “É apenas um momento para nos conectar com nosso Criador, agradecer e pedir sabedoria para que possamos desempenhar nossos mandatos da melhor forma possível”.

Segundo a vereadora, o objetivo do grupo, composto por 19 membros, é “acompanhar e fiscalizar programas e políticas governamentais destinados à proteção e garantia dos direitos à vida, da família, da criança, do adolescente, da pessoa idosa e da pessoa com deficiência”.

Entre as atividades realizadas pelo grupo, em benefício da população manauara, estão: reuniões com pais, diretores e a comunidade sobre a volta da obrigatoriedade do ensino da diversidade sexual nas escolas municipais. A vereadora não esclareceu qual o posicionamento da Frente a respeito do tema. E afirma que não se oporia a manifestações religiosas diferentes do cristianismo.

“Não irei me opor, pois cada um tem o direito de exercer e crer no que achar melhor para si”, resume.

“Talibanização”

O cientista político Luiz Antônio Nascimento enfatiza que uma sociedade democrática e plural deve acolher todas as vertentes religiosas, em todos os espaços públicos. No entanto, ele pontua que o que está ocorrendo na CMM “é um sequestro, por parte dos neopentecostais, desses espaços para deleite e proselitismo religioso para finalidades econômicas”.

“Temos vereadores eleitos a partir de currais eleitorais, como a Assembleia de Deus, que transformam a Câmara em templo religioso. Além de imoral e eticamente desprezível, atenta à democracia, porque constrange as pessoas que não seguem a orientação religiosa da maioria”, complementa Nascimento. “Se eu quiser, como vereador ou cidadão, realizar um culto umbandista na CMM, de matriz agnóstica ou outra denominação religiosa, vou encontrar enormes dificuldades”.

Nascimento observa que, nos últimos quatro anos, houve uma escalada de violência contra templos de religiões de matriz africanas, a exemplo de ameaças, espancamentos, terreiros incendiados e torturas, num processo que ele chama de “talibanização do Brasil”.

“Eles não se diferem das pessoas que ocuparam Brasília na tentativa de golpe no dia 8 de janeiro, nem dos fundamentalistas do Oriente Médio que sequestraram, assassinaram e torturaram pessoas de orientações religiosas fora do islamismo”, exemplifica.

Manutenção do poder

A Frente Parlamentar Evangélica já foi tema de dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). O estudo de caso aborda “as relações que permeiam entre os campos da comunicação, religião e política” do grupo.

No resumo do trabalho, a mestranda Elizabeth da Costa Cavalcante assinala que “a manifestação religiosa não contraria o Estado laico brasileiro, mas se atrela ao espaço político por meio do capital simbólico (religioso), visando ao interesse de todo partido político: a manutenção do poder no espaço público”.

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