Manaus, 6 de maio de 2024
×
Manaus, 6 de maio de 2024

Cenário

David Reis sofre 3ª derrota e ‘cotão extraordinário’ é vetado pela Justiça

O 'cotão' foi reajustado na última sessão de 2021, às pressas, sem ao menos ter passado pelo crivo de todos os demais parlamentares, antes da votação

David Reis sofre 3ª derrota e ‘cotão extraordinário’ é vetado pela Justiça

Foto: Montagem / Amazonas1 / Robervaldo Rocha / CMM

MANAUS, AM – Antecipados para iniciarem os trabalhos legislativos no próximo dia 2 de fevereiro e conforme publicado no Diário Oficial da Câmara Municipal de Manaus (CMM), na quinta-feira (27), os 41 vereadores de Manaus começarão suas atividades em meio a uma discussão que ainda vai dar o que falar nos bastidores da Casa Legislativa: a derrubada do reajuste de mais de R$ 83%, da Cota Para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap) na Justiça.

David Reis - Cotão
Ato para antecipação dos trabalhos na CMM

No apagar das luzes, os vereadores aprovaram, na última sessão da Casa Legislativa, em dezembro, o reajuste de mais de 83% do cotão, que sairia de R$ 18 mil para R$ 33 mil. Vale ressaltar que os vereadores já recebem neste fim de janeiro seus salários reajustados ainda em 2020, mas que só começou a vigorar a partir do dia 1º de janeiro de 2022.

A primeira tentativa de anular o reajuste do “cotão” foi derrubada pela desembargadora Joana Meirelles, logo após a ação tramitar no Tribunal de Justiça do Amazonas; porém, a segunda, encaminhada nessa semana pelos vereadores Amom Mandel (União Brasil) e Rodrigo Guedes (PSC), uma ação popular, foi julgada procedente, de forma parcial, pela juíza de Direito Etelvina Lobo Braga, titular da 3.ª Vara da Fazenda Pública de Manaus.

Após decisão, Amom e Guedes celebraram nas redes sociais. Amom disse que ganharam mais uma vez: “Ganhamos: acabamos de suspender o aumento do COTÃO. A nossa segunda ação na justiça foi deferida, mas a luta ainda não acabou. Precisamos deixar um recado claro de que aumentar a verba pra gasolina e aluguel de carros em OITENTA E TRÊS POR CENTO de uma lapada só é INADMISSÍVEL.

Já Guedes disse que essa foi uma vitória grandiosa e vai continuar lutando para derrubar em definitivo o reajuste: “grande vitória parcial, vamos continuar lutando até derrubarmos definitivamente!!!!”

Leia mais: Justiça barra aumento de 83% do Cotão após ação de Amom e Guedes

Brigas semelhantes a esta, que tiveram que ser decididas na Justiça, aconteceram no ano passado, quando os mesmos parlamentares, (Amom e Guedes) entraram com ação para barrar a construção “faraônica” de David Reis (Avante), no valor de quase R$ 32 milhões, que ficou conhecido como o “puxadinho da CMM”. Somente na semana passada, Reis declarou que não fará mais o “puxadinho”.

Logo em seguida, veio o cancelamento do aluguel das 41 picapes, aluguel que custaria cerca de R$ 8 mil mensalmente para cada um dos vereadores – o que custaria quase R$ 4 milhões ao ano, dinheiro que seria retirado dos cofres municipais. Depois disso, várias licitações foram suspensas pelo presidente David Reis.

Reajuste imoral

Em conversa com o Portal Amazonas1, antes da decisão judicial aplicada no fim da tarde da sexta-feira (28), Rodrigo Guedes chegou a dizer que esse reajuste era imoral e absurdo, uma vez que a pandemia devastou a renda de muitas famílias.

“É imoral, é absurdo e é vergonhoso a Câmara Municipal de Manaus aumentar o valor do “cotão”, no momento em que milhares de pessoas estão passando inúmeras necessidades, situação realmente de miséria e de fome, como nunca tinha acontecido antes na nossa cidade e no nosso país, por conta dos efeitos da pandemia”, destacou o vereador.

O vereador apontou, também, que falta vontade e solidariedade política dos parlamentares em querer resolver a situação da fome e da miséria que a população enfrenta nesta pandemia da covid-19, e quando se reajusta dessa forma, uma cota que pode ser relevada, não é ético aos interesses da coletividade.

“No mínimo, a classe política deve se mostrar solidária ao povo. Deve se mostrar sensível à situação que a população passa, mesmo que haja eventualmente um recurso ali no Orçamento; mesmo que haja Orçamento, não seja do ponto de vista estritamente legal, não seja ilegal digamos assim; mas é imoral ao homem público, à pessoa pública, ao homem e mulher públicos, não basta ser legal, precisa ser ético; precisa ser moral, precisa ser justo! […] ser necessário o gasto público, e precisa ser, acima de tudo, condizente com os anseios e o interesse público!”, ressaltou o parlamentar.

Guedes afirmou, ainda, que grande parte do que ocorre nos Parlamentos afora é por falta de cobrança do povo aos políticos, que fazem as coisas se tornarem mais difíceis para aparecerem depois com a solução fácil para a população.

Leia mais: Rodrigo Guedes usa meme para criticar Cotão: ‘aumento imoral’

Rodrigo Guedes usa meme para criticar Cotão: 'aumento imoral'
David Reis
Rodrigo Guedes ainda tentou derrubar a urgência na votação do Cotão. Foto: Divulgação

“Então, não tem meu apoio, nunca vai ter. Eu sou muito transparente nas minhas ações e, também, um dia em que a população realmente aprender a cobrar seus políticos e que eles lutem pelo interesse público, pelo interesse de todos e não pelo individual, por uma questão individual, que infelizmente é assim que os políticos agem, eles criam dificuldades para vender “facilidades”, esse dia realmente o Brasil pode começar a pensar em melhorar. Só quem pode mudar são as pessoas, não vai vir mudança da classe política, vai vir das pessoas, se elas estiverem dispostas a isso “, comentou Guedes na ocasião.

Ainda nesta semana, Amom e Guedes ganharam força quando um movimento independente cobrou publicamente uma atitude dos demais vereadores que votaram favoráveis ao cotão ou que se calaram diante das circunstâncias, expondo um cartaz com a foto desses parlamentares em uma das avenidas mais movimentadas de Manaus, a Djalma Batista.

O “Minha Manaus” disse que como os trabalhos legislativos voltam na próxima semana, resolveram “presentear” os vereadores com o cartaz.

“E já que a Câmara está retomando os trabalhos na próxima semana, resolvemos deixar esse presentinho na cidade, estampando os rostos de quem votou a favor. E aí, você sabe como votou o/a seu/sua vereador/a?”, questionou o movimento.

David Reis - Cotão - Movimento Minha Manaus
Movimento Minha Manaus em ação na avenida Djalma Batista.

Apoio bem-vindo

O vereador Amom Mandel viu com “bons olhos” que movimentos independentes chamem a causa para si, uma vez que as grandes mudanças são feitas pela insatisfação popular, citando novamente o exemplo do “puxadinho” da CMM, que indignou toda a cidade de Manaus, pelo gasto que seria exorbitante, mas que também foi derrubado na Justiça, sem antes mesmo de ser concluído processo licitatório.

“É bom ver que movimentos populares estão se manifestando contra esse reajuste. Historicamente grandes mudanças foram feitas após insatisfação popular, mais recentemente, aqui mesmo em Manaus, vimos o recuo da presidência da Câmara na construção daquele ‘puxadinho milionário’. As ações judiciais movidas e a insatisfação popular deram resultado. Ao menos até aqui, o que se sabe é que o projeto foi deixado de lado”, enfatizou o parlamentar.

David Reis - Cotão
Discussão no plenário sobre o reajuste do Cotão. Foto: Robervaldo Rocha / CMM

Leia mais: Amom diz que vai entrar com nova ação para barrar aumento do Cotão

Amom também disse ao AM1 que espera que mais movimentos venham a se engajar nessa fiscalização, afinal de contas só quem vem fiscalizando os atos do Legislativo, bem como do Executivo Municipal, são ele e o vereador Rodrigo Guedes, e que o apoio de movimentos populares é bem-vindo e fortalece ainda mais o trabalho parlamentar, assim como demonstra que o povo está cansado das regalias políticas.

“”Então, com essa nova ação que movemos essa semana na Justiça do Amazonas, para tentar barrar esse reajuste de 83% do cotão, esperávamos mais apoio popular, como esse do “Minha Manaus”. Penso que essas atitudes mostram claramente que a população não concorda com mais regalias e injustiças”, disse Amom Mandel em declaração ao Amazonas1.

O que dizem os analistas políticos

Para o sociólogo e analista político Carlos Santiago, é necessário mais rigor e transparência no que diz respeito ao acompanhamento desses reajustes, bem como na compra de bens e serviços, não só pela CMM, mas pelos órgãos de controle e da sociedade como um todo e que é preciso estar atento a esses atos.

David Reis - Cotão
Carlos Santiago é advogado, articulista, sociólogo e analista político

“O Brasil, hoje, passa por um desgaste moral enorme. As instituições de Estado estão com baixa credibilidade; os partidos políticos não têm a respeitabilidade necessária; além disso, há uma desesperança por parte do eleitorado. Há muita política sem ética, há muito pouco interesse coletivo no fazer político. Por isso, que ações no âmbito do Poder Judiciário e em parceria com a sociedade civil, com objetivos de frear atos, moralmente não aceitos pela sociedade, são sempre bem-vindos. O Cotão da Câmara dos Vereadores, o aumento dos subsídios dos parlamentares, a possível compra de inúmeros bens e serviços para a Câmara, sem transparência, são situações que merecem investigações e questionamentos por parte dos órgãos de controle, dos legisladores e também da sociedade”, avaliou Santiago.

Leia mais: Internação de Bolsonaro inicia divisão entre eleitores em ano político em Manaus

O advogado e cientista político Helso Ribeiro pontuou alguns questionamentos sobre o reajuste do Cotão, o pedido para barrar o reajuste dentro dos parâmetros do Direito.

“Eu entendo que ações dessa natureza têm um impacto e um apoio popular. É claro que não é razoável um aumento de mais 83%, qual foi a categoria, qual a profissão que teve um aumento dessa natureza? Então é evidente que a população não apoia o uso de cota para gastar com carro, com aluguel de material, com gasolina em cerca de R$ 33 mil, como ficou esse aumento, então a população não vai apoiar. E aí como estamos em ano político, em ano eleitoral, isso é pauta que chama atenção, chama atenção da imprensa, da população e expõe algumas mazelas existentes na Câmara Municipal. Há um fato: esse dinheiro é da Câmara Municipal, cabe a ela gerir da forma que ela acredita que é necessário. Então, o presidente da Câmara, ele tem a discricionariedade, ele faz com aquele dinheiro, desde que esteja dentro da lei, o que ele entender”, explicou Ribeiro.

David Reis - Cotão
Helso Ribeiro é advogado e cientista político

Ribeiro comentou também que por ser um ano eleitoral, essas pautas vão receber grande visibilidade por todas as áreas da sociedade, então é necessário analisar todos os pontos de vista, uma vez que o Cotão não é ilegal, está previsto na legislação, mas é preciso entender se o reajuste é razoável ao interesse coletivo, se é necessário e se a Justiça vai prosseguir com a ação, uma vez que a decisão concedida na sexta-feira (28) ainda é parcial e carece de um aprofundamento de causa.

“E aí, como estamos em ano político, em ano eleitoral, isso é pauta que chama atenção, chama atenção da imprensa, da população e expõe algumas mazelas existentes na Câmara Municipal. Há um fato: esse dinheiro é da Câmara Municipal, cabe a ela gerir da forma que ela acredita que é necessário. Então, o presidente da Câmara, ele tem a discricionariedade, ele faz com aquele dinheiro, desde que esteja dentro da lei, o que ele entender. Não é ilegal o que ele fez, ou seja, a legislação até prevê que ele pode fazer isso. Agora, o questionamento é: seria razoável? Então, o direito, ele prima e direciona para uma razoabilidade, que por vezes, vai se chocar com essa discricionariedade e aí eu entendo que os dois vereadores, tanto o Rodrigo Guedes quanto o Amom, eles têm ainda, além dos outros que votaram contra [Capitão Carpê e Raiff Matos, eles têm muito terreno. E eu não sei até que ponto a Justiça vai amparar esse pedido, esse é outro questionamento”, pontuou o cientista político.

David Reis  - cotão