Manaus, 26 de abril de 2024
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Cenário

Contradição: professores questionam por que reajuste salarial da categoria não pode, mas dos políticos pode

A Confederação Nacional dos Municípios orientou os prefeitos a não aplicarem o novo reajuste, mas em Manaus, a adequação foi feita para aumentar o salário do prefeito e dos vereadores

Contradição: professores questionam por que reajuste salarial da categoria não pode, mas dos políticos pode

Foto: Robervaldo Rocha / CMM

Manaus, AM – Após o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciar o reajuste de 33,24% no piso salarial de professores da educação básica, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) orientou prefeitos a não darem o aumento aos profissionais, uma vez que ultrapassaria o valor do orçamento das prefeituras. Caso siga o pedido, o prefeito David Almeida (Avante) deixaria de reajustar o salário de mais de 10 mil educadores, diferente do pagamento dele e dos vereadores da Câmara Municipal de Manaus, que aumentou em 2022.

Horas depois do anúncio do chefe da República sobre o reajuste dos professores, a CNM emitiu uma nota, nessa quinta-feira (28), em que afirma que, se aplicado, o novo valor poderia colocar as cidades em uma “difícil situação fiscal”, além de inviabilizar a gestão da educação no Brasil. Vale lembrar que o piso salarial é definido pelo governo federal, mas são pagos pelas prefeituras e governos estaduais.

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Com o reajuste aprovado por Bolsonaro, o valor passaria de R$ 2.886 para R$ 3.845, sendo o valor mínimo para ser pago aos profissionais da educação. Na nota, a Confederação recomendou que os prefeitos corrijam o piso salarial utilizando a mesma métrica na correção do salário mínimo geral, ou seja, com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

No entanto, o novo reajuste parece um tanto injusto, se comparado com os salários dos prefeitos e vereadores. Em Manaus, foi aprovado na gestão do prefeito Arthur Neto (PSDB) o aumento no salário dos vereadores da Câmara Municipal, prefeito e vice-prefeito. Com isso, os parlamentares passarão a receber R$ 18.991,68, sendo um gasto de mais de R$ 2 milhões em 2022 para o bolso do contribuinte.

Foto: Reprodução

Vale lembrar que além do aumento nos salários, os vereadores da CMM ainda aprovaram o reajuste da Cota Para Exercício Parlamentar (Ceap), mais conhecida como “Cotão”. A maioria dos parlamentares aliados ao prefeito David Almeida votaram a favor do aumento de mais de 83%, que passou o Cotão de R$ 18 mil para R$ 33 mil.

Nesse novo aumento, o prefeito David Almeida e o vice-prefeito Marcos Rotta (MDB) foram os que mais saíram lucrando. O vice recebia o valor de R$ 17 mil, mas com o reajuste vai ganhar R$ 26 mil por mês. Já o prefeito de Manaus, que recebia R$ 18 mil, passa a ter R$ 27 mil todos os meses.

Além dos vereadores e chefes do município, o reajuste também contemplou o secretariado da Prefeitura de Manaus. Os secretários ganhavam R$ 15 mil e agora passam a receber R$ 21 mil. Os subsecretários também foram agraciados, antes o valor do salário era de R$ 14 mil, mas com o reajuste, saltou para R$ 19 mil.

Reajuste salarial

Em outubro do ano passado, o prefeito David Almeida já tinha reajustado os salários dos servidores da Secretaria de Educação de Manaus para 2022. Na ocasião, Almeida concedeu o aumento de 10,9%, sendo dividido em duas etapas, 2,05% em janeiro e 8,89% em maio.

Para o professor Gabriel Mota, apesar do reajuste concedido em 2021 não corresponder ao custo de vida atual no Brasil, ainda assim Manaus está dentro do piso salarial. De acordo com ele, o reajuste aprovado pelo presidente Bolsonaro “apenas acompanhou o aumento do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação)”.

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“Em ano eleitoral, apesar de parecer ato heróico com nossa categoria, essa concessão, apesar de ser positiva para os municípios, demonstra também um despreparo por parte da equipe de Bolsonaro sobre a operacionalização desses custos. Municípios do interior, por exemplo, vão precisar se adequar a esse piso”, explicou.

Ainda de acordo com ele, o presidente Jair Bolsonaro concedeu o aumento aos professores por questões eleitorais para não se indispor com a categoria. “Claramente, o governo Bolsonaro desconhece a realidade de mais da metade dos municípios brasileiros, que em grande parte dependem de subsídios federais para dar conta de suas despesas”, disse.

Foto: Agência Brasil

A professora Lúcia Andrade afirmou que os professores dependem da decisão das autoridades para que o reajuste seja aplicado, mas que também é importante a participação dos educadores para a deliberação, uma vez que o tema é relevante para a classe.

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“Como profissional da educação, espero que seja cumprido esse aumento. Sei que haverá muita resistência pelos governantes, pois dependemos da votação dos mesmos. Penso que nós também devíamos votar para que o aumento deles fosse aprovado, mas isso eles mesmos resolvem. Eu digo sim para a valorização dos profissionais da Educação”, ressaltou.

Enganação

De acordo com o professor Lambert Melo, coordenador de comunicação do Sindicato dos Professores de Manaus, o reajuste do governo federal contempla os profissionais que trabalham em uma jornada de 40 horas, já que a maioria dos educadores no município cumpre 20 horas. Nesse caso, é preciso descobrir o valor e a porcentagem que esse novo aumento favoreceria esses profissionais.

“É evidente que todo e qualquer reajuste que for dado no piso faz muita diferença para os professores, principalmente para aqueles que trabalham em municípios em que as prefeituras não pagam acima do piso, ou pagam exatamente o valor do piso ou pagam abaixo, o que é uma vergonha e uma imoralidade”, explicou o profissional.

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O professor ainda ressaltou que o Amazonas paga os educadores acima do piso salarial, mesmo se o reajuste não for aplicado. “Nesse sentido, lógico que o Sindicato fica feliz de que a Justiça tenha determinado para o governo federal que ele deve obedecer à lei para aplicar o reajuste, sabendo que o governo Bolsonaro estava contra o reajuste estabelecido na lei”, afirmou.

Em relação ao alerta da Confederação dos Municípios, o Sindicato comentou que os municípios têm aumentado a arrecadação e “a lei de responsabilidade fiscal não pode ser utilizada como mecanismo de se evitar a valorização dos profissionais do magistério”.

Para o professor, o reajuste estabelecido está dentro da lei e a orientação é considerada uma forma de “terrorismo”, além de querer enganar a sociedade afirmando que o aumento pode ultrapassar o orçamento.

“É um alerta descabido, basta que as prefeituras economizem os gastos das receitas em outras áreas, que eles são acostumados a gastar, por exemplo com propagandas, para que haja recursos suficientes para se aplicar na valorização do magistério, sem necessidade de extrapolar o orçamento dos municípios”, destacou.

Salário acima do piso

O Portal Amazonas 1 procurou a Semed para buscar informações sobre o reajuste aprovado pelo governo federal. Em resposta, o secretário da pasta, Pauderney Avelino, afirmou em 2022, que a Secretaria já tem previsão orçamentária para cumprir, visto que os reajustes adotados para o piso salarial dos professores foram aprovados em 2021.

Em nota à equipe de reportagem, Pauderney afirmou que o piso salarial dos professores em Manaus ultrapassa os valores pagos em cidades como São Paulo e Minas Gerais.

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O secretário explicou que o professor com início de carreira que cumpre 20h recebe R$ 2.083,25, enquanto o profissional com 40 horas ganha R$ 4.166,51. Além disso, “para profissionais do magistério, em efetivo exercício, são atribuídos os 15% do vencimento em formato de prática docente, totalizando para 20h R$2.395,73 e para 40h R$ 4.731,48”, assim destacou o Pauderney.

A Semed informou que Manaus já segue valores superiores ao piso nacional, “tendo em vista reajustes aplicados no ano de 2021.”