Manaus, 25 de abril de 2024
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Manaus, 25 de abril de 2024

Cenário

Bolsonaro poderá sofrer contragolpe após atos de 7 de setembro, alerta especialista

As falas de Bolsonaro no 7 de setembro viraram um efeito cascata e o Brasil deu uma estagnada no ponto de vista econômico, político e social

Bolsonaro poderá sofrer contragolpe após atos de 7 de setembro, alerta especialista

MANAUS, AM – Os discursos do presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido) no feriado da Independência, no último dia 7 de setembro, causaram reações adversas em todas as esferas. Isso porque Bolsonaro voltou a colocar em risco a harmonia entre os Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, quando mencionou que não mais acataria ordens do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Bolsonaro mencionou, ainda, em seu discurso, que o Supremo tem sido arbitrário quando realiza prisões políticas com inquéritos produzidos pelo ministro Moraes.

Além disso, o chefe do Executivo também criticou o sistema eleitoral brasileiro colocando em “xeque”, mais uma vez, a credibilidade das urnas eletrônicas, alegando que a única pessoa que confia no sistema eleitoral é o ministro Luís Roberto Barroso, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Desde o dia das falas de Bolsonaro, o mercado financeiro também não reagiu muito bem e o primeiro sinal de preocupação foi a subida do dólar comercial, que teve um acréscimo de 2,89%, chegando a R$ 5,326 no dia 8 de setembro. Além disso, a Bolsa de Valores também registrou queda de 3,78% pontos percentuais.

Para o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM), Mourão Júnior, a fala de Bolsonaro realmente criou uma instabilidade econômica e o momento que o país enfrenta pode causar uma “fuga de capitais”, em que investidores podem redirecionar investimentos em países mais estáveis.

“Nessa questão da fala do presidente Bolsonaro – no dia 7 de setembro – cria realmente uma certa instabilidade, e como todos na questão econômica ela pode provocar sérios danos na economia, uma delas é a questão da fuga, que a gente chama de fuga de capitais. A partir do momento que você é um investidor e ver que aquele país está com uma instabilidade e que vai perder os seus rendimentos se ele fizer uma aplicação ali, ele começa a tirar a sua aplicação e colocar em outro país”, disse Mourão.

Mourão Júnior analisa situação de Bolsonaro

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Por outro lado, Mourão afirma que ao mesmo tempo em que o Brasil passa por essa crise econômica com a alta na inflação e no dólar, isso também pode fortalecer os investimentos devido à alta dos juros e a valorização da moeda internacional.

“Realmente, é uma situação preocupante, mas no momento que nós nos encontramos, apesar da inflação alta que está em toda a América Latina causada pela pandemia, um dólar muito valorizado, mas em certas partes assim, pouco controlado e com poucas intervenções do Banco Central e uma taxa Selic de 5,25%, que provavelmente vai aumentar e isso também provoca uma forte entrada de investimentos, principalmente com os juros altos”, ressaltou.

Foto: Alan Santos/Presidência do Brasil

“O que podemos esperar é que as coisas não saiam da estabilidade para que o nosso país continue no caminho do crescimento e o plano real está aí, até o momento, apesar da pandemia, controlando a inflação, nossa economia está dando sinais de aquecimento, uma pequena luz no final do túnel, caminhando para o final do ano, muito isso provocado pelo próprio auxílio emergencial, que deu renda às famílias que puderam consumir. O que podemos ver é como vai ficar a longo prazo, se caso, possa haver uma instabilidade provocada por esse governo”, finalizou o economista, apostando que ainda poderá haver mudanças favoráveis na economia até o final de 2021.

Economia fragilizada

Quem também comentou o cenário econômico atual foi o economista e professor universitário, Orígenes Martins Junior, o qual disse que a economia brasileira está fragilizada prejudicando, inclusive, a produção. E, após o 7 de setembro, o mercado retraiu.

“O cenário econômico brasileiro está bastante fragilizado, pois muito além da instabilidade política, as externalidades estão machucando forte a nossa produção. Chegamos a um nível de inflação bem acima da meta estipulada e os fatores internacionais que poderiam nos ajudar, pelo contrário, só aumentam o valor do dólar. A cabotagem tem sido tão inimiga da produção quanto a falta de insumos, visto que o preço dos containers e o valor dos aluguéis de navios simplesmente dispararam. Quando acontece um fato como o do dia 7 de setembro, mesmo que seja pela liberdade das instituições, o mercado como um todo vai ficar mais ainda retraído e ficará mais difícil o retorno do investimento. Não adianta discutir a validade dos atos do Bolsonaro, pois a propaganda contra ele tem sido forte e maciça principalmente na Europa.

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Cenário político

Os abalos após os discursos de Bolsonaro não ficaram apenas na questão econômica e na classe política, o mesmo foi sentido à distância. Para o cientista político Carlos Santiago, este não é o momento de desarmonia entre os Poderes, e que estes deveriam buscar soluções para o desenvolvimento do Brasil. Enquanto isso, Santiago disse que quem paga a conta é o povo.

Foto: Márcio Silva / Portal AM1

“A Constituição Brasileira de 1988 é bastante clara, o Estado brasileiro é formado pelo Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, que deverão funcionar de forma independente, ou seja, sem nenhuma submissão de um Poder ao outro sem um Poder se sobrepor a outro Poder, e mais ainda: que os Poderes devem agir com harmonia, interação, parcerias e diálogos, porque só assim, com Poderes independentes e harmoniosos entre si pode-se alcançar o grande objetivo do Estado brasileiro que é a soberania nacional; o desenvolvimento econômico; a justiça social, a dignidade da pessoa humana; o pluripartidarismo; a cidadania; os valores do trabalho e a livre iniciativa. Nesse contexto social e político no país, a preocupação maior deve ser com o combate ao desemprego, ao vírus que traz a pandemia, aos péssimos indicadores educacionais e de saúde pública, buscar uma agenda nacional de crescimento econômico e de melhoria da segurança pública. Enquanto os Poderes não olham para a sociedade e ficam sem harmonia, a sociedade padece”, disse.

Outro destaque feito por Santiago é que os chefes dos poderes são muito bem remunerados para a pouca solução que estão apresentando nesse período e que além de bons salários, ainda existe a briga de egos, por qual poder faz ou aparece mais que o outro.

“Logo no Brasil, em que os mandatários dos Poderes da República são muito bem remunerados e deveriam dar como contrapartida soluções para resolver os problemas da sociedade, Bolsonaro não dá um bom exemplo como chefe do Poder, que tem de buscar diálogo, interações e parceria com os outros Poderes. Já o Judiciário, não pode avançar nas suas prerrogativas e tentar legislar ou impedir o exercício da Administração Pública. Quando o mandatário do país sobe em cima de uma Kombi para agredir um outro Poder, significa que o país não tem rumo, sem esperança, significa que o povo é o que mais sofre com isso. Então, a harmonia entre os Poderes independentes é necessária e fundamental. Bolsonaro fez uma autocrítica que deve ser levada em consideração, mas não basta só uma autocrítica ou palavras, é necessário também ações para resolver os grandes problemas nacionais que são colocados em segundo plano enquanto os chefes dos Poderes brigam por mais poder e por vaidade”, finalizou.

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Do ponto de vista social

Para o sociólogo Luiz Antônio Nascimento, os discursos de Bolsonaro, em 7 de setembro, precisam ser revistos pelo ponto de vista comportamental de três semanas antes do ocorrido, em que o Judiciário, líderes parlamentares, setor produtivo e a Federação dos Bancos disseram “não” ao que poderia ser um possível golpe, o que enfraqueceu toda a movimentação do chefe do Executivo, sendo assim, o primeiro baque sofrido no ato, segundo Luiz.

Foto: Márcio Silva / Portal AM1

“Para a gente falar do 7 de setembro, a gente tem que pensar em umas duas ou três semanas que antecederam a data e as movimentações do Judiciário, dos parlamentares e do setor produtivo. Todos esses setores se manifestaram de um modo ou de outro se opondo a qualquer possibilidade de atentado contra a democracia e a Constituição, a uma tentativa de golpe pretendida por Bolsonaro. A Federação dos Bancos, setores produtivos e mais de 300 empresários -um conjunto de sujeitos políticos, sociais e econômicos, foram muito contundentes em dizer que não apoiariam qualquer tipo de golpe. Esse já foi o primeiro baque de manifestação explícita de setores que anteriormente não haviam se manifestados em relação às “loucuras” de Bolsonaro. Combinado com isso, o Judiciário agravou e aprofundou as ações, inclusive, mandando prender lideranças bolsonaristas que estavam naquele momento violando bases jurídicas legais e muito claras, inclusive com ameaças físicas a Alexandre de Moraes; então isso já indicou um caso de cultura e que não seria fácil a tentativa de golpe”, enfatizou.

Mais um aspecto levantado pelo sociólogo foi quanto à proibição de militares nos atos de 7 de setembro. Para Luiz Antônio, a não participação deixou Bolsonaro sem apoio, uma vez que grande parte desse público é declaradamente bolsonarista.

“Outro ponto importante que a maior parte das pessoas não atentou, que ficou só na superfície, foi a suposta participação de policiais militares nos atos. Entretanto, quem atua e estuda minimamente esse tema – a questão da participação dos militares -, sabe que não é nada fácil para policiais, em especial os de baixas patentes, pois os mecanismos de coerção e controle hierárquico das corporações são muito poderosos, de modo que se um número de soldados participa desses processos proibidos por lei e pelas corporações, esses policiais ficam muitos expostos a qualquer ato do governador, que pode determinar o deslocamento ou a alteração da escala”, comentou.

Uma semana antes de vir a Manaus, Bolsonaro passeia de moto em Porto Alegre
Foto: Reprodução

O terceiro aspecto para um 7 de setembro fracassado para Bolsonaro, de acordo com o sociólogo, foi pela falta de um palanque político de peso e apenas pastores do movimento neopentecostal da segunda linha. Além de “arregar” na carta escrita por Michael Temer, o que fez a imagem de Bolsonaro ficar ainda mais fragilizada. Luiz Antônio também acredita que Bolsonaro pode levar um contragolpe por suas falas no Dia da Independência do Brasil.

“O 7 de setembro funcionou como um golpe duro para os bolsonaristas. Se olhar as redes sociais dos bolsonaristas, há muito chateados e chamando Bolsonaro de traidor por conta da carta escrita por Temer. Esse é o painel, combinado com o movimento de centro-esquerda e centro-direita, que estão falando é que as condições estão dadas para o impeachment de Bolsonaro. Então, a suposta tentativa de golpe, um delírio golpista de 7 de setembro, poderá ser o pavio que acenderá o impeachment. Há uma possibilidade de Bolsonaro levar um contragolpe letal do ponto de vista da sua permanência na Presidência da República”, disse o sociólogo.

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Efeito cascata

Com toda essa reviravolta no cenário nacional, após a fala do presidente, o país parou com algumas atividades, entre elas, o cancelamento de sessões deliberativas do Senado, além da paralisação dos caminhoneiros por três dias – o que de certa forma mexeu com o mercado financeiro também.

Após perceber o estardalhaço que havia feito nos seus pronunciamentos em Brasília e em São Paulo, Bolsonaro se “redimiu” e levantou a “bandeira branca da paz”, em uma carta escrita pelo ex-presidente Michael Temer, nominada de Declaração à Nação, cujos trechos falavam que o presidente não tinha a intenção de ferir o Supremo Tribunal Federal (STF), que não tem o direito de “esticar a corda”.

Foto: Reprodução

“Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum. Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país”, dizia uma parte da Declaração de Bolsonaro.

Após divulgação da declaração, muitos de seus apoiadores, incluindo os caminhoneiros, questionaram a decisão de Bolsonaro; transportadores basicamente encerraram a paralisação. Para o presidente, seu pedido de desculpas soou bem no mercado financeiro, com a queda do dólar e a volta do crescimento na Bolsa de Valores brasileira.

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