Manaus, 16 de maio de 2024
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Manaus, 16 de maio de 2024

Política

Políticos ‘carregam’ nas costas lamentável rotina de ofensas às mulheres

No Dia das Mulheres, os políticos enchem as redes sociais de homenagens, mas no resto do ano, o posicionamento é diferente

Políticos ‘carregam’ nas costas lamentável rotina de ofensas às mulheres

Foto: Reprodução

Manaus, AM – A frase “o Dia da Mulher é todos os dias” parece clichê a cada dia 8 de março, mês em que se comemora o dia delas. A maioria das pessoas, no entanto, acaba esquecendo que, de fato, não é somente em uma data que se deve valorizar as mulheres. Em datas comemorativas, figuras políticas usam a sua imagem para reverenciar o sexo feminino, porém, nos outros dias do ano, isso não é visto com frequência – especialmente na política.

Nas redes sociais, os políticos encheram o perfil com mensagens montadas para homenagear as mulheres, que de alguma forma, ainda não ocupam tanto espaço na política. Com isso, autoridades têm aberto portas para receber mais mulheres nesse cenário, mas o Brasil continua presenciando casos em que uma parlamentar é colocada em um pedestal duvidoso, enquanto o político age de maneira que parece correta.

Tendo protagonizado diversas polêmicas durante o mandato como deputado estadual do Amazonas, Wilker Barreto (sem partido) foi um dos políticos que resolveu mandar uma mensagem bonita para as mulheres, mesmo tendo feito comentários machistas contra colegas na Aleam.

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Um dos episódios mais comentados no cenário político do Amazonas foi entre ele e a deputada Joana Darc (PL). Em 2020, a deputada afirmou que Barreto usava as redes sociais para espalhar notícias falsas contra ela. Na situação, a deputada Alessandra Campêlo (MDB) também foi alvo de Wilker.

Foto: Reprodução

Na época, foi aberto um inquérito policial a pedido de Campêlo, em que ele apontou que Wilker era o responsável por um dos números de telefone que estavam compartilhando as informações falsas. E esse não foi o único escândalo do deputado contra as colegas de Parlamento.

Anteriormente, Wilker já havia enfrentado as duas deputadas durante a sessão híbrida da Assembleia Legislativa do Amazonas. Com um apelido pejorativo, Wilker Barreto chamou as parlamentares de “Marias do bairro”, após ser interrompido durante o discurso. Por outro lado, Joana Darc e Alessandra Campêlo não baixaram a cabeça e apontaram a declaração machista do deputado.

As duas pediram para que ele se retratasse, mas o deputado preferiu ignorar o pedido e continuar as chamando de “Marias do bairro”. “Cria vergonha na sua cara, respeite os colegas parlamentares! É um absurdo, falta de respeito. Você ofende a deputada e depois a chama de escandalosa”, disparou Alessandra.

Mesmo com as polêmicas nas costas de Barreto, no dia 8 de março, ele decidiu homenagear as mulheres, e destacou que elas devem ter um espaço de fala – o que contraria a atitude do próprio. “Valorizar a mulher é também defender seus direitos e cooperar para sua proteção, dignidade e garantia de fala, bem como espaço”, escreveu.

Marketing?

Tentando firmar a boa imagem para os amazonenses, o senador Eduardo Braga (MDB) é um dos políticos que prega a presença da mulher na política, mas, na primeira oportunidade, levanta a voz para elas. Porém, no lugar de escrever um texto já montado sobre o Dia da Mulher, Braga resolveu mostrar as ações que fez para o público feminino nos anos de governo.

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Mesmo querendo passar a visão de bom moço, em dezembro de 2021, Braga protagonizou uma briga com a ministra da Secretaria de Governo da Presidência da República, Flávia Arruda, após o Palácio do Planalto ter demorado para liberar as emendas parlamentares. De acordo com a ministra, o senador se dirigiu a ela aos gritos, os quais ela considerou como “machismo atrasado”.

Bancada feminina se solidariza com Flávia Arruda após senador Eduardo Braga destratá-la
Foto: Reprodução Câmara / Senado

Toda a situação foi exposta pelo jornal O Globo, que afirmou que os gritos de Braga foram tantos, que a ministra não conseguiu se segurar e chorou no local de trabalho, passando a situação para o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. Após a repercussão, Flávia Arruda concedeu uma entrevista na qual comentou o assunto.

“Gritos não me amedrontam. O episódio, infelizmente, demonstra que o machismo atrasado ainda resiste às mulheres que assumem posições relevantes na política brasileira. Vou continuar a interlocução com o Congresso com diálogo, serenidade e, sobretudo, com transparência”, disse.

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Assim como o histórico de Wilker Barreto, essa não seria a primeira vez que Braga destrata uma mulher. Em março de 2021, durante uma transmissão ao vivo nas redes sociais, o senador usou um tom alterado para se dirigir a uma funcionária.

“Sem saber qual é a primeira fase, primeiro, aí a ordem dos fatores altera o produto”, disse Braga em tom ríspido. Os internautas que estavam acompanhando a live do político estranharam o comportamento dele e logo comentaram a situação.

Desrespeito

Recentemente, o deputado estadual e pré-candidato ao governo de São Paulo, Arthur do Val (Podemos), conhecido como “Mamãe Falei”, se envolveu em uma polêmica por conta de falas sexistas ao descrever mulheres ucranianas, afirmando que elas “são fáceis porque são pobres.”

Em uma série de áudios enviados para um grupo de amigos, o político contou que estava na Ucrânia ajudando a fazer coquetéis molotov, mas mesmo estando em um país em guerra, não deixou passar comentários machistas a respeito das mulheres da Ucrânia. 

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“Elas olham e, vou te dizer, elas são fáceis porque são pobres. E aqui, a minha conta do Instagram, cheio de inscritos, funciona demais. Não peguei ninguém, porque a gente não tinha tempo, mas colei em dois grupos de ‘minas’ e é inacreditável a facilidade. Essas ‘minas’ em São Paulo, você dá bom dia e ela [sic] ia cuspir na sua cara e aqui elas são super simpáticas e super gente boa, é inacreditável!”, prossegue o deputado. Segundo ele, nas “cidades mais pobres, elas são as melhores”, comentou.

Por conta da repercussão negativa, o deputado teve diversas consequências, entre elas, precisou se desfiliar do Podemos para evitar ser expulso da sigla. Mais de 30 deputados de diferentes partidos se uniram para assinar representações contra as declarações do parlamentar. O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo também recebeu pelo menos 12 pedidos de cassação contra Arthur do Val, que perdeu a namorada.

Deputado 'Mamãe Falei' diz que está fazendo coquetel molotov na Ucrânia
Foto: Reprodução / Twitter

No entanto, a declaração de ‘Mamãe Falei’ é um retrato do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), que não se preocupa em se calar perante a uma mulher. Pelo contrário, Bolsonaro sempre mostrou ter um comentário machista ou uma piada sexista para dizer para uma mulher, sem se importar com a repercussão.

Prova disso foi a multa de R$ 5 milhões que o governo federal precisou pagar por danos morais provocados por declarações do presidente da República. A decisão da Justiça Federal de São Paulo determinou o pagamento sob justificativa de que Bolsonaro e seus ministros discriminam e reforçam o preconceito contra mulheres.

Mesmo antes de se tornar o presidente do Brasil, Bolsonaro fez comentários machistas sobre mulheres e até mesmo contra a própria filha. Em uma das declarações, o presidente afirmou que “deu uma fraquejada” ao ter o quinto filho, já que os outros quatro são homens.

Foto: Reprodução

Entre tantos comentários machistas, Bolsonaro foi contra a vinda de turistas LGBTQIA+ para o Brasil. Em 2019, ele se mostrou a favor ao turismo sexual de mulheres, e disse que quem quisesse vir ao país para fazer sexo, “que ficasse à vontade.”

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Um dos comentários que mais causou críticas foi um episódio em 2014, na Câmara dos Deputados. Na época, o então deputado afirmou que não estupraria a colega de Parlamento, Maria do Rosário (PT), porque ela não merecia – a mesma cena se repetiu, com a mesma pessoa, em 2003. 

“Ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”, disparou Bolsonaro.

Por conta do comentário, a Justiça determinou Bolsonaro a pagar uma indenização de R$ 10 mil por danos morais para a deputada. Nas redes sociais. Maria do Rosário declarou que se “tratava de uma vitória do respeito, da dignidade.” Bolsonaro também publicou uma nota de desculpas para a parlamentar em cumprimento da decisão judicial.

Foto: Reprodução

Denúncias dentro do partido

Recentemente a ex-candidata a vice-prefeita de Manaus, Marklize Siqueira, alegou que estava sofrendo violência política dentro do PSOL-AM. Após as denúncias, mais de 300 pessoas do agrupamento político Movimenta Amazônia Socialista (MAS) anunciaram a saída da sigla.

A briga se tornou pública após um dos dirigentes do PSOL, Raoni Lopes, anunciar uma transmissão ao vivo em que iria revelar quem “financiava Marklize”. A ex-candidata, então, reagiu e afirmou que registraria um Boletim de Ocorrência, pois estava sofrendo violência política dentro do partido.

Em conversa com o Portal Amazonas 1, Marklize falou sobre as mulheres na política e os parlamentares que, mesmo alvo de escândalos de cunho machista, continuam sendo eleitos, enquanto mulheres são colocadas em segundo plano.

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“A organização do mundo da política sob o regime democrático no mundo inteiro, e no Brasil também, se organizou a partir da presença dos homens. Portanto, o que temos é que essa estrutura política representativa e partidária está marcada pela mentalidade masculina e isso cria obstáculos para a ocupação das mulheres nesses espaços”, disse.

Ela ainda afirmou que entre os aspectos da mentalidade masculina é que ainda enxergam a mulher como dona de casa, que precisa cuidar do lar e dos filhos, com isso, não tem capacidade de liderar e precisa ser tutelada pelos homens. “Infelizmente a sociedade ainda tolera certos comportamentos. Na minha visão, homem com histórico de violência contra mulher, com condenação, devia ser proibido de concorrer às eleições, por exemplo”, declarou.

Foto: Reprodução

A ex-candidata à prefeitura ainda explicou que a sociedade ainda tem ideias erradas sobre o que é o feminismo, e facilmente acredita em notícias falsas que circulam pelas redes sociais. “Existe uma situação que me preocupa muito que é o fato das feministas serem tratadas como inimigas da família e da sociedade”, destacou.

Para ela, as mulheres são sim consideradas guerreiras, mas não do modo que o homem as coloca nessa posição. “Somos guerreiras por viver num país que mata uma mulher a cada sete minutos, que tem uma taxa de cinco milhões de crianças sem o nome do pai no registro de nascimento, que tem milhões de mulheres fora do mercado de trabalho, que convive com uma sub-representação na política”, afirmou.

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Marklize ainda ressaltou que as mulheres são ignoradas pelos próprios políticos, que somente as procuram em ano eleitoral. Sem partido após sair do PSOL-AM por alegar violência política, ela afirmou que as mulheres não concorrem aos espaços porque os partidos políticos não investem em mulheres.

“Os partidos ainda dão pouca importância para as suas Secretarias de Mulheres, não tem mulheres dirigentes de partido, quando tem, querem mandar nela o tempo todo – , não colocam as mulheres no tempo de TV disponível e não investem financeiramente nelas. Enquanto isso não for feito, continuaremos com poucas mulheres parlamentares na Assembleia Legislativa do Amazonas e na Câmara Municipal de Manaus”, destacou.

Partidos com donos

Para o cientista político Helso Ribeiro, as ações contra as mulheres, e até mesmo a ausência delas no cenário político, são fruto de um machismo estrutural estabelecido no Brasil. Um exemplo disso são os casos de feminicídio e agressões contra mulheres que aumentam a cada dia no país. De acordo com ele, esses casos saem do ambiente privado e entram no ambiente público/político.

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Ao Portal AM1, o cientista político explicou que políticos com polêmicas e ações machistas ainda continuam dentro de Casas Legislativas porque pertencem a partidos com donos. “Eles recebem verbas altíssimas. Junto a essas verbas ainda temos o caixa 2, algo que não dá pra [sic] medir. Esse dinheiro todo é direcionado para candidatura dos donos dos partidos ou de quem eles apoiam e, normalmente, 85% das vezes são homens, e fica difícil mulheres terem espaços porque o poder econômico faz com que tenha mais acesso a publicidade, uma organização partidária voltada a candidatura de homens”, explicou.

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Foto: Reprodução

O cientista político também afirmou que as ações do presidente Jair Bolsonaro dão abertura para que outros políticos comecem a agir da mesma forma. Ele ainda pontuou que os apoiadores do presidente tentam minimizar as declarações dele, mas que este sempre teve essa postura, antes mesmo de assumir a presidência.

“Os seguidores cegos do presidente Bolsonaro vão tentar minimizar isso, mas, ele sempre teve essa postura; não é à toa que todas essas pesquisas mostram que justamente são as mulheres que menos votam nele, então, acho que o presidente mostra o comportamento que é típico de muitos no Brasil”, disse.

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Ribeiro ainda comentou com a equipe de reportagem que uma vez conversou com uma ex-colega de partido do presidente Bolsonaro, e questionou como era a relação da parlamentar com ele. “Ela me disse que não tinha relação com ele, pois ele destratava as mulheres”, revelou.

“Comportamentos misóginos, tentando menosprezar o papel da mulher, ele mesmo uma vez disse: ” Tive 4 filhos, na quinta vez, eu dei uma FRAQUEJADA e veio uma mulher “, então daí você já tira, ainda que seja uma brincadeira, você vê o que tem por trás de tal brincadeira”, ressaltou.

Eleitores atentos

Com tantas polêmicas envolvendo políticos do Amazonas e do Brasil, é necessário que o eleitor fique atento na hora de escolher os representantes. O Portal AM1 conversou com um grupo de eleitores, que demonstrou estar pesquisando bastante antes de eleger os novos parlamentares, principalmente se existe respeito com as mulheres.

A estudante de administração Jenice Silva comentou que, infelizmente, a maioria dos políticos só lembram das mulheres em datas comemorativas, quando já vêm a público com textos prontos e expressando sentimentalismo. “Ao decorrer do ano, eles não pregam o que falam, só tentam se beneficiar de pessoas que não conhecem tal política e acreditam que eles são a favor de causas feministas, como igualdade salarial”. disse.

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Ela acredita que falas e posicionamentos machistas por parte dos políticos acabam afastando mulheres desse meio. “Muitas acham que não vão ter lugar de fala, isso cada vez mais nos complica de defendermos e falarmos por nós mesmas”, pontuou.

“Muitas mulheres se retraem na hora de se candidatarem por medo de serem totalmente ignoradas. Vemos isso em diversas Casas Legislativas, onde, muitas vezes, as parlamentares têm que pedir para os homens ficarem em silêncio para elas poderem ter voz”, disparou.

Já a pedagoga Larissa Duk, 22, acredita que o desrespeito com mulheres na política está escancarado e que ainda é necessário que as parlamentares lutem para ter um espaço nesse mundo, enquanto o homem tem fácil acesso.

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“Para uma mulher entrar na política, ela tem que ter toda uma formação, enquanto o homem só precisa ter a famigerada lábia”, disse. A pedagoga ainda afirmou em conversa com a equipe de reportagem que em datas comemorativas em que a mulher é a protagonista, os políticos “vestem a camisa” e fazem um marketing, mas não é o que acontece na realidade.

“Toda publicação feita se tornam falas machistas e sexistas. Antes mesmo do governo Bolsonaro, víamos muitos líderes políticos expressando machismo em discursos, em atitudes. Me pergunto [sic] até quando iremos permitir que pessoas assim nos representem”, desabafou.

Apesar de não ter local de fala, o estudante de arquitetura João Vitor, 21, também compartilha da mesma dor das mulheres com comentários homofóbicos por parte de políticos. Porém, mesmo não se considerando como mulher, ele acredita que é necessário levantar a pauta e informar as mulheres para “derrubar esse sistema”.

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“É importante que as mulheres tenham em mente que devemos estudar sobre e ficar atentos. Por exemplo: candidatos que postam sobre o Dia das Mulheres, mas quantas vezes no ano nós vemos ele com candidatas mulheres, com pessoas que movem ações efetivas para mulheres? O que foi que eles votaram, o que ele fez em prol de uma causa feminista?”, questionou.

O estudante ressaltou que é importante realizar essa conscientização para trazer mais mulheres para a política e, assim, expor políticos que são contra ou que que votaram contra leis para beneficiar mulheres. “Um exemplo de uma fala tosca do presidente Bolsonaro onde disse que mulheres deveriam receber menos porque engravidam. Temos que bater de frente contra esse tipo de posicionamento”, declarou.

Ainda segundo ele, as mulheres precisam “bater de frente” com o posicionamento dos políticos, mas para isso, a sociedade precisa mudar o pensamento de que lutar pela causa feminista não é errado. “Tem que bater de frente e apontar o dedo na cara dizendo que esse parabéns dado por eles somente no Dia das Mulheres é falso”, pontuou.